01 de setembro de 2020 | 04h00
Acabar com o Jardim Europa. Chamou atenção no mês que passou a proposta de Matheus Hector, pré-candidato a vereador pelo Novo. Seu argumento, na verdade, é de que regras que limitam as construções, como as vigentes para os Jardins, excluem os mais pobres das cidades e promovem um “apartheid social”. Também em agosto, Arthur do Val, pré-candidato a prefeito, defendeu ampla revisão do plano diretor para aproveitar o potencial construtivo dos terrenos. Eles estão certos: as regras que regem os desenhos das cidades precisam ser mudadas para reduzir as desigualdades e até para favorecer uma retomada verde após a crise.
O ponto de partida dessa discussão é bem sintetizado pelo economista Edward Glaeser, de Harvard. Para que as cidades sejam locais de crescimento e inovação, os cidadãos precisam interagir: “Governos locais têm o papel principal de aproximar as pessoas nas cidades.” É exatamente o contrário do que fazem regras que restringem as possibilidades de uso do solo, limitam alturas ou potencial construtivo, ou exigem quantidades mínimas de vagas para carros. Elas espraiam as cidades, jogando para mais longe as pessoas mais pobres. Essas pessoas ficam assim mais distantes de bons empregos, escolas e serviços, e terão de despender mais tempo e dinheiro para conseguir chegar até eles.
Imagine um jovem de baixa renda, que sai da casa dos pais ou que acaba de chegar à cidade. Ele compete por uma moradia com o resto da população, em um gigantesco leilão dinâmico por um lugar para morar. Com pouco dinheiro, tende a ficar por último, morando nas margens da cidade. Precisará gastar mais do seu pouco dinheiro e mais horas do seu dia para chegar nas oportunidades, em geral em zonas mais centrais.
Cada vaga obrigatória em um prédio o joga metros mais para fora. Cada limite de andar em cada construção o empurra mais adiante. Coeficientes baixos de aproveitamento dos terrenos idem, e o mesmo para as proibições sobre qual uso pode ou não ter cada imóvel. Uma casa vazia que não pode virar comércio ou um ponto abandonado que não pode virar residência têm uma função na cidade: o de afastar pessoas.
É claro que o problema não se resume às casas nos Jardins, áreas centrais. São essas regras restritivas aplicadas a milhões de imóveis que fomentam a desigualdade de oportunidades nas cidades. Ao reduzir também a oferta potencial de moradias, diminuem a renda real dos mais pobres, que pagam mais do que deveriam em aluguel (e passagens).
Arthur do Val pode soar radical: “Tem de acabar com isso, de que para construir um comércio, tem de ter vaga de carro na frente. Temos de acabar com o limite de altura.” Mas essa visão liberal para as cidades também pode ser positiva para o meio ambiente: quanto mais densas as cidades, menor tende a ser queima de combustível fóssil – que alimenta os veículos obrigados a percorrer longas distâncias. O consumo energético das edificações também tende a ser menor quando há mais densidade.
O urbanista Anthony Ling, editor do Caos Planejado, visualiza esse aspecto ambiental de uma forma interessante: basta imaginar uma grande cidade, como São Paulo, vista de uma imagem de satélite. No meio do verde, uma grande mancha urbana. Restrições às construções, que tornam a cidade menos densa e mais horizontal, significam que essa mancha cinza deverá ser ainda maior sobre o verde.
Para responder à provocação do título da coluna: Jardins, enquanto regras restritivas para a cidade, custam caro para a sociedade e para o meio ambiente.
Evidentemente que uma flexibilização, por exemplo, no Jardim Europa, não povoará o bairro com habitantes das periferias. Contudo, ao longo do tempo, provocará o que Ling descreve como “efeito cascata” na ocupação dos imóveis pela cidade. Novos moradores do bairro deixarão alguma residência anterior, para onde se mudarão novos moradores, que deixarão outra residência, para onde mudarão outras pessoas e assim por diante.
Quem simpatiza com menos adensamento nas áreas centrais das cidades deve ter em mente ainda que a falta de um adensamento organizado no centro pode acabar virando um adensamento desorganizado nas periferias. Frequentemente em prejuízo de áreas sensíveis como mananciais ou nascentes.
Esse debate tem um chavão: “especulação imobiliária”. Mas ela é uma fonte de progresso, se entendida como o ímpeto construtivista para atender às demandas da sociedade. Trata-se de permitir edificações onde os moradores, consumidores ou trabalhadores direta ou indiretamente demandam que elas existam – com o efeito secundário e virtuoso de permitir que os cidadãos fiquem mais perto, e não mais longe, de oportunidades de renda, educação e lazer. Não adensar é colocar milhões de catracas invisíveis em nossas cidades.
*DOUTOR EM ECONOMIA