O economista Pedro Gomes defende a semana de quatro dias de trabalho não para tornar as pessoas mais felizes, mas sim porque acredita que, assim, será possível salvar o capitalismo.
Autor do livro Sexta-feira é o novo sábado (2021), o professor de economia da Universidade de Londres em Birkbeck afirma que o mundo passou por transformações profundas ao longo das últimas décadas, mas o trabalho não acompanhou essas mudanças.
O resultado são funcionários estafados e famílias exaustas —isso pensando na realidade de países em que prevalece a escala 5x1.
Enquanto o Brasil vê ganhar fôlego a campanha para acabar com a semana de seis dias de trabalho com um dia de folga, Gomes aplaude a iniciativa, considerando o modelo algo reminiscente do século 19.
Mas frisa a necessidade de que as mudanças sejam graduais e bem planejadas, com diferentes soluções sendo encontradas para diversos setores.
"Considero que já está na hora de terminar o 6x1 para dar espaço, de forma prudente e bem estudada, para a semana de quatro dias", diz Gomes à BBC News Brasil.
Gomes coordenou o Projeto-Piloto da Semana de Quatro Dias organizado pelo governo de Portugal, seu país natal, em 2023, para implementar a semana de quatro dias em 41 empresas voluntárias.
Ao fim do período de teste, apenas quatro empresas quiseram voltar para a jornada de cinco dias por semana.
Historicamente, ele diz que essas transições sempre foram acompanhadas de grande resistência do setor empresarial, mas afirma que encarar a mudança traz grandes benefícios para economia.
"A adaptação é muito mais fácil do que, de partida, as empresas vão dizer", afirma.
Seu livro defende a semana de quatro dias de trabalho, proposta que tem gerado grande debate no Brasil e que está sendo discutida no Congresso. Qual é o principal argumento por trás desta defesa?
Acho que a semana de quatro dias é a melhor forma de organizar a economia no século 21. E não é porque devemos trabalhar menos para ser mais felizes ou pelo bem-estar. É pensando nas grandes mudanças estruturais que ocorreram na economia e na sociedade.
Nos últimos 50 anos, tudo mudou, desde a tecnologia, a velocidade de comunicação, a longevidade, o papel da mulher no mercado de trabalho. Mas não soubemos adaptar a forma com que trabalhamos, que permaneceu igual.
A semana de cinco dias foi implementada pelo Henry Ford, o maior empresário americano do século 20, em 1926. Vai fazer cem anos. Demorou muito para as economias se adaptarem, mas esse modelo está na maioria dos países ocidentais há 40 anos e não soubemos alterar a forma de trabalhar.
Hoje, a semana de quatro dias é uma melhor forma de organizar a economia pelo impacto positivo que pode trazer. Isso envolve reorganizar a economia e o trabalho nas empresas.
O seu livro diz que a semana de quatro dias pode 'salvar a economia'. De que maneira?
É um erro dos críticos da semana de quatro dias pensarem que o tempo livre é um tempo morto para a economia. Para eles, se não trabalharmos, não contribuímos para a economia. Podemos estar felizes, mas a economia vai cair.
A verdade é que há muito valor econômico no tempo de lazer. É no tempo livre que vamos ao restaurante, ao teatro, que viajamos. As indústrias de lazer dependem do tempo livre das pessoas. Pessoas sem tempo livre não são boas consumidoras.
Mais tempo livre estimula indústrias do mercado interno, e isso foi visto nos Estados Unidos, nos anos 1940, e na China, em 1995, quando passaram da semana de seis para cinco dias.
A China desenvolveu o mercado de turismo interno, que agora é o maior do mundo. Construíram parques temáticos e as pessoas começaram a viajar mais dentro do país, desenvolvendo a economia interna.
O senhor defende a transição da semana de trabalho de cinco para quatro dias, mas no Brasil ainda se discute o fim da semana de seis dias. O senhor considera esse passo importante para o país?
Sim. A escala de 6x1 está mais ligada ao século 19 do que a uma economia tão forte do século 21. Considero que já está na hora de terminar o 6x1 e dar espaço, de forma prudente e bem estudada, para a semana de quatro dias.
O debate no Brasil tem despertado grande resistência entre setores empresariais e partidos conservadores. Como o senhor vê essas críticas?
No passado, a jornada de trabalho era de 12 horas por dia, seis dias por semana. Depois, passou para dez horas, depois para oito horas, depois para cinco dias. Essas passagens sempre foram acompanhadas por grande resistência do lado empresarial. Porque obrigam a grandes mudanças na organização do trabalho, e ninguém gosta de mudanças.
O mais curioso é que historicamente essas transformações sempre começaram com empresas que se anteciparam à legislação. Foi o caso de Henry Ford, quando resolveu que conseguia produzir mais carros organizando o trabalho em cinco dias.
Na Inglaterra, Robert Owen, um manufatureiro galês, foi pioneiro do dia de trabalho de oito horas e do fim do trabalho infantil. No entanto, quando falou em acabar com o trabalho infantil, muitas empresas disseram que não conseguiriam funcionar e que a economia iria colapsar. Entretanto, outros empresários demonstraram que era possível.
O vereador carioca que deu início a esse movimento, Rick Azevedo, convocou protestos pela causa no feriado de 15 de novembro. A mobilização popular pode ajudar a levar adiante esse tipo de transformação?
Acredito que sim. Melhorar a economia não é só fazê-la crescer. É também protegê-la dos riscos negativos. E um maiores riscos para as economias modernas são os movimentos populistas, que ganham força pelo descontentamento das pessoas com a economia.
Temos crescido muito nos últimos 30 anos, mas as pessoas não sentem que vivem melhor do que seus pais. E, portanto, vão atrás de promessas falsas e populistas que, na maioria dos casos, não têm boas plataformas econômicas. Entretanto, estão crescendo porque o centro político não soube dar respostas para os trabalhadores.
Isso foi muito comentado nos Estados Unidos, a ideia de que os democratas abandonaram os trabalhadores. E não há nada mais central na vida do trabalhador do que a forma e o tempo que trabalha.
Acredito que a semana de quatro dias pode ser uma solução para conseguir derrotar movimentos populistas. É algo que pode unir as pessoas, porque todos vão se beneficiar. Portanto, é bom que as pessoas se manifestem para mostrar que isto é um caminho que os políticos devem seguir.
Pensando no caso do Brasil, como o senhor vislumbra uma redução bem-sucedida nas escalas de trabalho?
As mudanças devem ser faseadas. É importante fixar expectativas e dizer às empresas aonde se quer chegar, mas sem tentar fazer tudo de uma vez, num espaço pequeno de tempo. Porque todos os setores precisam se adaptar e encontrar o melhor formato na prática. Não há uma solução única. É preciso soluções diferentes para diferentes setores, e isso tem de ser discutido por dentro.
No caso do Brasil, a escala de seis dias de fato está fora do que é uma economia do século 21. Essa redução vai trazer melhorias, como trouxe na China, no Japão, nos Estados Unidos, em Portugal. E, portanto, a economia deve se preparar para essa passagem.
Você acha que proibir a jornada 6x1 na lei, como propõe a emenda à Constituição em discussão no Congresso, é uma forma eficaz de gerar essa mudança?
Sim. Quando olhamos para a história, a passagem da redução de tempo de trabalho foi inicialmente liderada por empresas, mas foi sempre consolidada por legislação. E eu não vejo problema nenhum em que seja consolidada primeiro pela legislação.
Friedrich Hayek, que é o pai do liberalismo econômico, acreditava que o Estado devia fazer o mínimo, mas uma das poucas coisas que devia fazer era legislar sobre o tempo de trabalho. Não é contra os princípios liberais de um governo pouco intervencionista legislar e proibir certas práticas, ou proibir o trabalho a partir de uma certa altura. E por quê? Porque é igual para todas as empresas. Não distorce a concorrência.
Imagino que restaurantes sejam um setor que ainda pratique com a semana de seis dias. Quando implementarem a semana de cinco dias, será igual para todos os restaurantes. Um não estará acima de outros. Os restaurantes que melhor se adaptarem vão sair ganhando. Portanto, mesmo em uma visão de concorrência, restringir pela legislação práticas que não fazem sentido na economia atual é perfeitamente legítimo.
O senhor falou que sua defesa da semana de quatro dias não é pela questão do bem-estar, mas isso é uma parte importante do debate, que destaca o impacto negativo da jornada de trabalho sobre a saúde. Isso não tem um impacto negativo sobre a produtividade?
Sim, tem. Cem anos atrás, quando se trabalhava seis dias por semana, os problemas gerados pelo trabalho eram físicos, ligados a síndrome de movimento repetitivo.
Hoje, precisamente pela intensificação do trabalho, da tecnologia, da velocidade de comunicação, o trabalho se tornou mais intenso mentalmente. O aumento do burnout e do estresse são uma consequência de não termos adequado a forma de trabalhar à tecnologia e aos tipos de trabalhos que temos hoje.
Outro elemento muito importante é a participação das mulheres no mercado de trabalho. Há 50 anos, a maior parte das mulheres trabalhava em casa. Mesmo que o homem trabalhasse muitas horas com intensidade, quando chegava a casa, a mulher havia cuidado de tudo. Era tempo de descanso.
Agora, na maior parte das famílias, os dois trabalham as mesmas horas e com a mesma intensidade. E quando voltam para casa, não é tempo de descansar, é tempo de fazer tudo aquilo que ficou por fazer, compras, cozinha, limpeza. Com isso, as famílias têm uma falta de tempo enorme. Isso se sente muito nos países europeus. Cria esta pressão contínua que causa o burnout e o estresse.
Quais são os impactos? São pessoas que saem das empresas, gerando um custo enorme para substituí-las e perda de conhecimento. Isso também gera muitas faltas por doença ou burnout, e impactos no sistema de saúde.
Há estudos que tentam contabilizar os custos do burnout e do estresse, mostrando que podem custar entre 2% e 5% do PIB [Produto Interno Bruto] por perda de produtividade. Uma pesquisa da Harvard Business School considera que, nos Estados Unidos, as doenças de saúde mental ligadas ao trabalho custam em 4,5% do PIB. Isso é uma das razões pelas quais empresas estão buscando implementar a semana de quatro dias.
O senhor coordenou um projeto piloto em Portugal, e empresas em diversos países estão testando a semana 4x3. O que é preciso para fazer essa transição?
Essa passagem não deve começar de uma forma generalizada, mas sim por algumas grandes empresas, dedicando vários anos e muito planejamento para encontrar soluções práticas.
Além de Portugal, há projetos piloto em países como o Brasil, nos Estados Unidos, na Alemanha. As empresas que participam não estão sendo pagas, elas próprias veem os benefícios, que são muito ao nível da redução do estresse e do burnout, da redução do absentismo e de conseguir manter os trabalhadores na empresa. É muito difícil contratar funcionários qualificados para algumas posições, e a semana de quatro dias é uma forma alternativa de valorizar o emprego, em vez de ser apenas com aumento de salário.
As empresas que têm experimentado o modelo mudam muitas coisas na organização do trabalho, buscando, por exemplo, reduzir o número de reuniões, tentar adotar mais tecnologia e inteligência artificial, limitar ou eliminar processos.
Das 41 empresas que participaram do projeto piloto em Portugal, apenas quatro voltaram para trás, para a semana de cinco dias. A grande maioria manteve. Mas não foi apenas deixar de trabalhar na sexta-feira. Foi mudar muitas coisas para aumentar a produtividade e dar viabilidade econômica a essa mudança.
Ao obrigar as empresas a reduzir o tempo de trabalho, elas vão se adaptar. Os benefícios em termos de produtividade vêm dessa adaptação. A adaptação é muito mais fácil do que, de partida, as empresas vão dizer.
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