Berlim festejou neste sábado (9) os 35 anos da queda do muro que separava a cidade e o mundo em dois hemisférios no pós-guerra. Mais de quatro quilômetros de cartazes, distribuídos pelo trajeto da extinta edificação no centro da capital alemã, com a providencial ajuda de música ao vivo, vinho quente e cerveja, buscaram reavivar memórias.
Na semana em que os EUA votaram pela volta de Donald Trump e a Alemanha mergulhou em uma crise política que pode derivar na ascensão definitiva da extrema direita no país, a celebração trouxe a lembrança de um tempo em que tudo parecia a caminho de uma solução, do fim do mundo bipolar, nuclear e da guerra fria, da consolidação da democracia.
O planeta é bem outro em 2024, mas está melhor agora do que quando o muro caiu? Para alguns alemães que participaram da manifestação neste sábado, o otimismo de há 35 anos também parece uma memória distante.
"Tenho 35 anos. Quando eu nasci, falaram: esta menina precisa de liberdade", conta, aos risos, Sophie Jähnigen, de Dresden, em visita a Berlim. "É uma boa pergunta saber se tudo isso significa liberdade, o capitalismo está cheio de pontos cegos", afirma a funcionária pública, que sublinha alguns dos efeitos colaterais da reunificação. "Minha família cresceu na Alemanha Oriental, tinha uma vida simples, mas feliz. Acho que às vezes sentimos falta disso."
A palavra "Trump" aparece com facilidade nos depoimentos. "Agora os EUA elegeram Trump, e nós temos eleições difíceis na Alemanha, há problemas por todo o planeta, é complicado dizer se o mundo está melhor agora."
Melina Treifeld, 31, há 5 anos em Berlim, também cita o presidente americano reeleito, mas acha que "estamos experimentando um mundo diferente". "Eu vim da Rússia, sei o que é propaganda, desinformação, mas ainda acredito que o melhor modo de contornar isso é falando com quem não pensa da mesma maneira que você", diz, em referência às eleições na Alemanha.
A coalizão montada pelo social-democrata Olaf Scholz ruiu, e ele é pressionado pela oposição para que as eleições sejam antecipadas. Pesquisas de intenção de voto indicam preferência pelo partido conservador, a CDU, e o de extrema direita, a AfD.
"Acho que estamos vivendo agora outro tipo de incerteza. Não sabemos aonde vai dar, há vários países indo para a direita. Cidades como Berlim, mais inclinadas a um pensamento de esquerda, como quase todas as grandes metrópoles, sentem mais essa incerteza, creio", diz o engenheiro Sebastian Schanz, 31, companheiro de Melina.
"Concordo com ela, precisamos de mais diálogo. A única saída é ter contato com as pessoas, não importa de que lado do espectro político."
Lucas Yeit, 24, estudante de ciências políticas de Würzburg, estagiando em Berlim neste mês, é mais pessimista. "Não vivemos os tempos do muro, não há como comparar, mas o momento atual é muito difícil. O futuro não parece em nada brilhante, seja na economia seja na política. O principal problema, acredito, é não ter uma perspectiva."
Também não vê muita perspectiva o aposentado Stefan Langstetler, 66, que não só estava em Berlim quando o muro caiu, como registrou a história. " Eu era cinegrafista da SFB [Senders Freie Berlim, antiga TV pública da cidade] e estava exatamente aqui quando o muro caiu em 1989", conta. "Foi emocionante ver as pessoas derrubando o muro, passando pelos buracos. Mandamos essas imagens para o mundo inteiro."
Stefan, que diz ter filmado "do papa a Reagan" naqueles momentos intensos da reunificação na cidade, acredita que as gerações mais novas não sabem o que aconteceu na cidade e na Alemanha dividida. "Vigilância, assassinatos, repressão, as pessoas passam pelo muro hoje como se fosse só atração turística, não têm noção do que era aquilo."
"Mas não estamos muito melhor agora. Estamos elegendo pessoas como Trump, reclamando de tudo. A verdade é que ninguém quer fazer a sua parte."
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