Richard Milne
Se a Europa quiser ver como os fabricantes chineses podem afetar sua indústria automobilística tão importante, poderia fazer pior do que olhar para a Noruega. 94% dos carros vendidos no país nórdico em outubro eram elétricos, colocando-o no caminho para atingir a meta de nenhum veículo de passageiros movido a combustíveis fósseis no próximo ano.
As montadoras chinesas não venderam nenhum carro na Noruega em 2019; neste ano, até agora, conseguiram conquistar 11% de participação de mercado. Marcas como MG, BYD e Xpeng são vistas com frequência nas ruas norueguesas.
Talvez o mais revelador seja que a principal rua comercial de Oslo, Karl Johans Gate, tenha apenas uma concessionária de carros: a Nio, uma marca chinesa relativamente nova. Logo ali perto, embaixo do escritório nórdico do Financial Times, uma imobiliária de luxo foi substituída por uma elegante sala de exposições da Voyah, repleta de arte moderna.
É difícil exagerar a importância da indústria automobilística europeia, seja em termos econômicos ou em valor simbólico. Emprega mais de 13 milhões no continente diretamente ou indiretamente e representa um em cada 10 empregos na manufatura. É igualmente difícil subestimar o pessimismo no setor no momento. Em meio aos avisos de lucro emitidos pelas montadoras europeias, tabus estão sendo ameaçados em todos os lugares, desde a Volkswagen planejando seu primeiro fechamento de fábrica em sua terra natal da Alemanha em 87 anos até a mais antiga fábrica de carros da Europa em Turim sendo fechada por grandes partes do ano.
Mas assim como os fabricantes europeus estão sendo prejudicados pela transição para veículos elétricos, as montadoras chinesas (e a Tesla) estão prosperando. "Eu olhei para a VW, Toyota, Volvo, mas acho que os chineses têm melhor tecnologia, parecem mais legais", disse Ivar, em frente à concessionária da Nio em Oslo. Ele acrescentou que as telas sensíveis ao toque tão cruciais para carros elétricos são muito mais elegantes nos modelos chineses do que, por exemplo, nos da VW.
A fachada principal da Nio parece uma cafeteria, talvez porque seja uma, vendendo desde um matcha latte até biscoitos de pistache. "Eu não fazia ideia de que era uma loja de carros chinesa", disse um turista americano no mês passado. Mais adiante na loja da Nio, parece mais uma marca de estilo de vida com jaquetas, malas e outras bolsas à venda. É apenas virando a esquina que carros como o sedã ET5 —com um preço inicial de NKr426.000 (R$ 234 mil)— aparecem.
Fabricantes como VW, Audi e Mercedes tornaram-se altamente dependentes de suas vendas globais na China, onde tiveram que fazer colaborações com montadoras locais. Muitas empresas chinesas estão superando as marcas europeias onde mais dói: fazendo carros possivelmente melhores em alguns casos. As vendas das montadoras alemãs na China estão caindo drasticamente à medida que os fabricantes locais dominam cada vez mais. "Veja como os chineses estão construindo carros melhores que os europeus depois de começarem colaborações com os europeus décadas atrás. É incrível", disse um executivo automotivo nórdico.
A situação é menos dramática na Noruega, embora a direção seja clara e desafiadora para os europeus. A Tesla, a novata da indústria dos EUA, é a marca mais vendida na Noruega neste ano, e está perto de vender tantos quanto os dois seguintes —VW e a Toyota do Japão— combinados, de acordo com estatísticas da Associação Norueguesa de Estradas. A Volvo, com sede na Suécia, mas de propriedade da Geely da China, não está muito atrás desse duo em quarto lugar.
O avanço chinês na Noruega tem sido desigual. Foi liderado pela MG, a antiga marca do Reino Unido que agora é de propriedade da SAIC Motor, um dos parceiros da VW na China. Os fabricantes chineses alcançaram 5% de participação de mercado já em seu primeiro ano de vendas em 2020, e 10% até 2022. Em 2023, sua participação diminuiu antes de se recuperar para um novo nível recorde neste ano.
As marcas estabelecidas estão longe de terminar: tanto a Toyota quanto a Volvo aumentaram sua participação de mercado nos últimos cinco anos, mas a VW e a BMW viram sua participação cair em mais de um quinto. Quanto ao que poderia resultar, uma simulação publicada neste ano pelo Banco Central Europeu prevê uma leitura alarmante. Se a indústria automobilística da China receber subsídios semelhantes aos aplicados ao setor de painéis solares, uma simulação do BCE prevê que a participação de mercado global dos fabricantes de automóveis chineses aumentaria em 60 pontos percentuais e a dos europeus diminuiria em 30 pontos percentuais. A produção doméstica da UE cairia 70%.
Os EUA e a UE têm procurado conter o aumento dos carros elétricos chineses com tarifas, mas a Noruega recusou-se categoricamente a seguir o exemplo. Quanto as tarifas necessárias para conter o aumento dos fabricantes chineses ainda está por se ver. Por enquanto, a Noruega serve como um aviso local para os fabricantes de automóveis europeus sobre o que poderia acontecer se não agirem mais rapidamente.
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