quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Sionismo não é (sinônimo de) judaísmo, FSP (sem assinatura)

 Enquanto cidadã de esquerda, de origem judaica, não posso deixar de me posicionar sobre o texto de Hélio Schwartsman. Assim como ele, tenta-se, não é de hoje, descobrir conteúdos progressistas no sionismo político. Seja identificando indivíduos progressistas que se dizem sionistas, seja se sustentando nas propostas coletivistas germinadas e desenvolvidas no Estado de Israel.

Ora, nenhuma das duas justificativas se sustenta de pé. Assim, ignora-se que no interior de qualquer ideologia é possível encontrar membros com diferentes matizes de pensamento; setores em contradições ou dissensos internos; parcelas com caudas mais ou menos envenenadas ou com traços que traduzem diferentes percepções e projetos de sociedade. Analisar uma ideologia ignorando tais aspectos é fugir dos fatos e dos dados históricos e negar sua natureza profunda e sua lógica interna.

Da mesma forma, defender a existência do Estado judeu como território exclusivo de um grupo de pessoas, que compartilham religião ou herança cultural por terem sofrido perseguições, atropela a realidade dos fatos humanos. Historiadores têm pesquisado, à exaustão, perseguições, violências e destruições físicas que caracterizam a humanidade desde sempre. Disputas por território e por poder são marcas incontornáveis das relações humanas, seja onde for, e estão na origem das guerras e das eliminações de populações inteiras. Infelizmente não é privilégio de qualquer grupo social ou nação.

Mapa com o plano de partilha da região da Palestina em 1948
Mapa do plano de partilha da região da Palestina em 1948 - Reprodução

Para se beneficiar disso, os que detêm o poder no interior de grupos ou nações nunca hesitaram em lançar mão de justificativas chauvinistas, supremacistas, de ressentimento ou de vingança. A preservação de identidades, religiosa ou cultural, se forjou a qualquer preço, como forma de manter a coesão. Mas essas identidades não são impostas "de fora", como pretende o autor. Ilustração exuberante da inutilidade de imposições "de fora" está exposta na obra clássica de estudos culturais de autoria de Edward W. Said, pesquisador norte-americano de origem palestina.

O livro de Said "Orientalismo, o Oriente como Invenção do Ocidente" aborda como o Oriente inventado tem sido "um selo que marca as civilizações ao leste da Europa sob o signo do exotismo e da inferioridade". Os "orientais" não se sentem identificados como tal bloco monolítico! A rigor, o que fica clara é a ligação entre a imensa quantidade de estudos que buscaram criar "de fora" uma identidade oriental com a expansão colonial europeia e com o imperialismo norte-americano.

Judith Butler, pesquisadora norte-americana de origem judaica, também abordou a questão da identidade. Na obra "Caminhos Divergentes, Judaicidade e Crítica do Sionismo", ela considera que projetos de coexistência só podem começar com a desarticulação do sionismo politico. Para ela, o exílio —ou diáspora— está incorporado na ideia de judaico em termos históricos. Ser judeu significa viver em relação ao não judeu, encontrar uma maneira de recusar o fechamento em si mesmo, viver numa rede de relações sem eliminar as diferenças. Significa progredir ética e politicamente num mundo de heterogeneidade irreversível.

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