A vitória de Donald Trump nas eleições norte-americanas foi bastante expressiva, com margem muito maior do que vinham apontando as pesquisas. Alguns apontam que isso sugeriria uma tendência inequívoca de guinada à direita na política global.
De fato, o desfecho das eleições nos EUA, país mais poderoso do mundo, até pode impulsionar um movimento à direita em outros países. Contudo, é importante notar que uma das principais tendências observadas nas eleições em países democráticos nos últimos anos é um sentimento anti-incumbente.
Ou seja: a maioria dos eleitores está insatisfeita com o governo em exercício e está buscando alternância, tanto partindo de governos mais à esquerda para outros mais à direita (Argentina em 2023, EUA e França em 2024) como no sentido oposto (Brasil e Colômbia em 2022, Reino Unido e Índia neste ano).
Essa constatação parece ser coerente com a forte elevação dos preços de diversos produtos observada desde a eclosão da pandemia, particularmente daqueles que são mais baratos —fenômeno que recebeu o apelido, em inglês, de "cheapflation".
Vale lembrar que a inflação corresponde à variação dos preços monetários dos bens e serviços em um certo período. Embora a inflação mundial tenha passado de uma alta de quase dois dígitos em 2021/22 para taxas mais próximas das metas em 2024, ainda assim não foi registrada deflação generalizada —isto é, queda dos preços. Com efeito, os preços de boa parte dos produtos estão bem acima daqueles observados antes da pandemia.
Caso os reajustes dos salários e dos demais rendimentos tivessem superado a alta dos preços dos produtos, o fenômeno descrito acima não traria insatisfação, pois o poder de compra teria aumentado. Não obstante, há evidência de que, em diversos países, os preços dos produtos mais baratos e essenciais (alimentos, energia, aluguéis, dentre outros) subiram mais do que os demais, superando os ganhos salariais da população de classes baixa/média e gerando aquilo que tem sido chamado de "crise do custo de vida" (cost-of-living crisis).
Isso também aconteceu no Brasil: em meados de 2019, um salário mínimo nacional comprava 2,1 cestas básicas —maior poder de compra já registrado desde 2001, ano inicial da série histórica do indicador, quando o salário mínimo comprava 1,3 cesta. Em 2022, esse valor foi a 1,6, regredindo para os níveis observados em 2005/06. Ao longo de 2023 e 2024, houve uma recuperação importante, mas ele ainda está hoje em 1,9. A conclusão é a mesma quando se utiliza o rendimento médio habitual de todos os trabalhos da Pnad Contínua, do IBGE.
Voltando aos EUA, é curioso notar que as principais bandeiras de campanha de Trump —aumentar expressivamente a taxação de produtos importados e deportar milhões de imigrantes ilegais— poderão acentuar essa crise do custo de vida.
Já no caso do Brasil, o caminho mais sustentável e rápido para restabelecer o poder de compra pré-pandemia envolve recuperar a credibilidade da política fiscal, uma vez que isso poderia gerar relevante valorização cambial. Pouco mais da metade da expressiva depreciação cambial de cerca de 16% observada neste ano pode ser atribuída a fatores domésticos, sobretudo as incertezas crescentes quanto à trajetória prospectiva da dívida pública.
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