Há muito me habituei ao fato de que algumas pessoas recorrem a mim para tirar a dúvida sobre questões irrelevantes da baixa cultura do século 20. Em geral, algo a ver com filmes de monstros dos anos 1940, gibis dos anos 1950 ou times de futebol dos anos 1960 —tópicos ainda não nobres o suficiente para render PhDs. Ninguém me consulta sobre Cícero ou Platão, Chaucer ou Dante ou mesmo Shakespeare ou Cervantes —ainda bem. Geralmente, o que querem saber são assuntos que domino e dos quais me safo com certa facilidade.
Mas, outro dia, fui posto à prova: quem viera primeiro, a série "Amar é...", aqueles quadrinhos mundialmente amados com o casalzinho pelado dizendo uma frase catita que definia o dito cujo, ou o filme "Love Story", o blockbuster eternizado por fazer chorar e pela frase "Amar é nunca ter de pedir perdão"? A ideia é que um teria influenciado o outro e, no caso, quem influenciou quem? Ignorante no assunto, fui aos alfarrábios.
"Amar é..." era um quadrinho criado por uma desenhista neozelandesa, Kim Casali, onipresente em jornais, revistas, cartões de Dia dos Namorados, pôsteres e camisetas. "Love Story" era um filme com os muito jovens Ryan O’Neal e Ali MacGraw, baseado num roteiro de Erich Segal, convertido num romance que também vendeu milhões. Quadrinho e filme são de 1970. Só que o quadrinho estreou em fevereiro; o filme, em dezembro. Dirimida a questão? Mas, então, caíram-me aos olhos frases do quadrinho. Eis algumas.
"Amar é... um gesto, uma palavra, uma gentileza"; "...guardar a primeira rosa"; "...colorir a vida"; "...querer estar sempre juntos"; "...viver alegres, felizes e apaixonados"; "..."...respirar juntos o ar da manhã"; "...curtir juntos o luar"; "...usar apelidos afetuosos"; "...dividir o mesmo banco do jardim"; "...encarar juntos as derrotas"; "...plantar e colher juntos"; "...saber dar o braço a torcer"; "...sonhar com o reencontro"; "...somar, dividir e multiplicar o bem-querer". Etc.
Antes que o seu colesterol comece a dar cambalhotas, aí vai a frase-antídoto de Ivan Lessa: "Amar é... ser a primeira a reconhecer o cadáver dele no IML."
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