terça-feira, 12 de novembro de 2024

Livrarias de portas abertas, Ruy Castro, FSP

 Meu amigo Mario Gabbay, dono da Marché, uma grande pequena loja de discos de São Paulo, teve de fechar as portas nos anos 2000, e não por falta de clientes. "O problema não era vender, mas comprar", ele me dizia. Um CD de artista famoso lançado naquela semana lhe custava, digamos, R$ 20, direto na gravadora. Com os custos, impostos e aluguel do ponto, não podia vendê-lo por menos de R$ 30 para ter mínimo lucro. Mas Mario não tinha sequer acesso ao disco, porque a gravadora dera exclusividade às Lojas Americanas por semanas. E as Americanas vendiam esse disco pelos mesmos R$ 20 com que o compravam.

O que significava? Que elas podiam trabalhar com prejuízo, vendendo um disco pelo preço de custo, já que ele era só um item na sua longa lista de ofertas, de alfinetes a geladeiras. Além disso, para as Americanas, o disco não custara R$ 20, mas R$ 15 ou menos --graças à sua pressão sobre a gravadora, obrigando-a a lhe dar um enorme desconto. As Americanas tinham poder para tal, porque, com o movimento de suas inúmeras lojas, compravam aquele disco em grande quantidade. As gravadoras sabiam que isso acabaria com as pequenas lojas. Mas não era problema delas.

Transfira esta situação para as pequenas livrarias. Poucas conseguiram sobreviver ao massacrante ataque das megas nos anos 1990. Ironicamente, as megas, pouco depois, provariam do mesmo veneno: foram massacradas pela Amazon, que vende por x um livro que deveria vender por 2x. A Amazon impõe às editoras os descontos que quiser e, além disso, não precisa dos livros para viver, porque vende de geladeiras a viagens à Lua. Mas os livros são a razão de existir das livrarias físicas, sujeitas aos descontos normais do mercado.

Há uma lei em tramitação tentando impor limites à Amazon. É a única forma de as livrarias seguirem de portas abertas. Você dirá que, com isso, pagará mais pelo livro.

Talvez. Mas você não se importa de pagar R$ 100 para comer mal num restaurante e, dali a uma hora, nem se lembrar do que comeu. Um livro –que raramente chega a esse preço –pode ser um alimento para o resto da vida.

Fachada da livraria Malasartes, no Rio de Janeiro
Fachada da livraria Malasartes, que fechou as portas no Rio de Janeiro - Divulgação

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