quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Trump é um semeador de caos, não de fascismo, David Brooks, NYT - FSP (mais que definitivo)

 

David Brooks

Colunista do The New York Times e comentarista nas redes PBS, NPR e NBC. É autor, entre outros, de 'Bubos no paraíso: A nova classe alta e como chegou lá' e leciona na Universidade Yale.

THE NEW YORK TIMES

Entramos em uma nova era política. Nos últimos 40 anos ou mais, vivemos na era da informação. Nós, da classe educada, decidimos, com alguma justificativa, que a economia pós-industrial seria construída por pessoas como nós, então adaptamos políticas sociais para atender às nossas necessidades.

Nossa política educacional direcionou as pessoas para o caminho que seguimos —faculdades de quatro anos para que estivessem qualificadas para os "empregos do futuro". Enquanto isso, o treinamento vocacional definhou. O livre comércio transferiu empregos industriais para o exterior, focando na economia do conhecimento e em empresas geridas por pessoas com diplomas avançados. Os setores financeiro e de consultoria cresceram, enquanto o emprego na manufatura diminuiu.

A geografia foi desconsiderada, concentrando capital e mão de obra qualificada em cidades como AustinSan Francisco Washington, negligenciando outras comunidades. Políticas de imigração favoreceram mão de obra barata e qualificada, enquanto trabalhadores menos qualificados enfrentaram concorrência. A transição para tecnologias verdes beneficiou trabalhadores digitais, prejudicando aqueles na manufatura e transporte dependentes de combustíveis fósseis.

Apoiadores de Donald Trump festejam a vitória do republicano num centro de convenções em West Palm Beach, Florida
Apoiadores de Donald Trump festejam a vitória do republicano num centro de convenções em West Palm Beach, Florida - Brian Snyder/Reuters

Essa grande transformação redistribuiu o respeito. Aqueles que avançaram na hierarquia acadêmica foram celebrados, enquanto os que não conseguiram foram ignorados. Isso impactou especialmente os meninos. No ensino médio, dois terços dos alunos entre os 10% com as melhores notas são meninas, enquanto cerca de dois terços dos alunos entre os 10% com as piores notas são meninos. As escolas não são estruturadas para promover o sucesso masculino, o que gera consequências pessoais ao longo da vida e, agora, nacionais.

A sociedade funcionava como um vasto sistema de segregação, elevando os academicamente talentosos acima de todos os outros. Em pouco tempo, a divisão do diploma se tornou o abismo mais importante na vida americana. Os graduados do ensino médio morrem nove anos mais cedo do que as pessoas com diploma universitário. Eles morrem de overdose de opioides a uma taxa seis vezes maior. Eles se casam menos, se divorciam mais e têm mais probabilidade de ter um filho fora do casamento. Eles têm mais probabilidade de ser obesos.

Um estudo recente do American Enterprise Institute descobriu que 24% das pessoas que estudaram apenas até o ensino médio não têm nenhum amigo próximo. Eles são menos propensos que os graduados universitários a visitar espaços públicos ou a se juntar a grupos comunitários e ligas esportivas. Eles não falam a linguagem correta de justiça social nem têm o tipo de crenças de luxo que são marcadores de virtude pública.

Os abismos levaram a uma perda de fé, uma perda de confiança, um sentimento de traição. Nove dias antes das eleições, visitei uma igreja nacionalista cristã no Tennessee. O culto foi iluminado por uma fé genuína, é verdade, mas também por uma atmosfera corrosiva de amargura, agressão, traição.

Enquanto o pastor falava sobre os Judas que buscam nos destruir, a frase "mundo sombrio" me veio à mente —uma imagem de um povo que se percebe vivendo sob ameaça constante e em uma cultura de extrema desconfiança. Essas pessoas, e muitos outros americanos, não estavam interessados na política de alegria que Kamala Harris e os outros graduados em direito estavam oferecendo.

Partido Democrata tem um trabalho: combater a desigualdade. Aqui estava um grande abismo de desigualdade bem diante de seus olhos e de alguma forma muitos democratas não o viram. Muitos à esquerda focaram a desigualdade racial, de gênero e LGBTQIA+. Acho que é difícil focar a desigualdade de classe quando você frequentou uma faculdade com uma verba de vários bilhões de dólares e faz greenwashing e seminários de diversidade para uma grande corporação.

Donald Trump é um narcisista monstruoso, mas há algo errado em uma classe educada que se olha no espelho da sociedade e vê apenas a si mesma.

Enquanto a esquerda se voltava para a arte performática identitária, Trump mergulhava na guerra de classes com os dois pés. Seu ressentimento nascido no Queens em relação às elites de Manhattan se alinhou magicamente à animosidade de classe sentida pelas pessoas rurais em todo o país. Sua mensagem era simples: essas pessoas te traíram, e além disso são idiotas.

Em 2024, ele construiu exatamente o que o Partido Democrata tentou construir —uma maioria multirracial da classe trabalhadora. Seu apoio aumentou entre trabalhadores negros e hispânicos. Ele obteve ganhos impressionantes em lugares como Nova Jersey, Bronx, Chicago, Dallas e Houston. De acordo com as pesquisas de boca de urna da NBC, ele ganhou um terço dos eleitores não brancos. Ele é o primeiro republicano a ganhar no voto popular em 20 anos.

Os democratas obviamente precisam fazer um exame de consciência. O governo Biden tentou atrair a classe trabalhadora com subsídios e estímulos, mas não há solução econômica para o que é principalmente uma crise de respeito. Haverá alguns à esquerda que dirão que Trump venceu por causa do racismo, sexismo e autoritarismo inerentes ao povo americano. Aparentemente, essas pessoas adoram perder e querem fazer isso de novo e de novo e de novo.

O restante de nós precisa olhar para esse resultado com humildade. Os eleitores americanos nem sempre são sábios, mas geralmente são sensatos, e têm algo a nos ensinar. Meu pensamento inicial é que tenho que reexaminar minhas próprias convicções. Sou moderado. Gosto quando os candidatos democratas se movem para o centro. Mas tenho que confessar que Kamala fez isso de forma bastante eficaz e não funcionou. Talvez os democratas tenham que adotar uma ruptura ao estilo Bernie Sanders —algo que fará pessoas como eu se sentirem desconfortáveis.

Partido Democrata pode fazer isso? O partido das universidades, dos subúrbios abastados e dos núcleos urbanos hipster pode fazer isso? Bem, Trump sequestrou um partido corporativo, que dificilmente parecia ser um veículo para uma revolta proletária, e fez exatamente isso. Aqueles de nós que menosprezam Trump deveriam baixar a guarda —ele fez algo que nenhum de nós foi capaz de fazer.

Mas estamos entrando em um período de águas turbulentas. Trump é um semeador de caos, não de fascismo. Nos próximos anos, uma praga de desordem descerá sobre a América, e talvez sobre o mundo, abalando tudo. Se você odeia a polarização, espere até experimentarmos a desordem global. Mas no caos há oportunidade para uma nova sociedade e uma nova resposta ao assalto político, econômico e psicológico trumpista. Estes são tempos que testam as almas das pessoas, e veremos do que somos feitos.

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