O rapaz teria 20 anos, se tanto, estava pálido e desidratado. Queixava-se de dores de estômago acompanhadas de vômitos havia dois ou três meses, no decorrer dos quais tinha feito duas endoscopias, dois ultrassons e uma tomografia computadorizada, que nada revelaram. Vinha tomando omeprazol e antiácidos sem resposta; perdera quatro quilos.
Perguntei se algum alimento melhorava ou piorava a dor. Respondeu que não, o único alívio era o banho quente. Chegava a tomar dez num dia. A pergunta seguinte me levou ao diagnóstico:
"Você fuma maconha todo dia?"
"Fumo, doutor."
Era um caso típico de hiperêmese por cannabis, síndrome descrita em 2004.
Você, leitora, dirá: "Como assim? Tem gente que usa maconha para as náuseas da quimioterapia". É verdade, mas o uso diário pode causar o efeito oposto.
No presídio em que atendo, vi meia dúzia de casos. As queixas são sempre as mesmas: começam com dor de estômago, depois de semanas ou meses surgem as náuseas e os vômitos que só melhoram com banhos quentes. Os exames de imagens são de pouca valia. Os quadros extremos evoluem com desidratação, convulsões, insuficiência renal e parada cardíaca, complicações felizmente muito raras. Há oito casos descritos nos Estados Unidos.
Você, maconheiro velho, que fuma todos os dias há 30 anos e jura que nunca se viciou, vai dizer que fui cooptado pela repressão. Não é verdade, em mais de 50 anos de medicina, vi pessoas que se beneficiaram do uso de cannabis. Na década de 1980, acompanhei no exterior os primeiros ensaios clínicos que testaram a maconha para as náuseas da quimioterapia.
Mas, veja bem, o baseado daquela época tinha concentrações de THC, o componente psicoativo, ao redor de 4% a 5%. Como o uso repetitivo induz o fenômeno da tolerância, com o passar dos anos você reclamava: "Essa maconha de hoje é palha velha. A do meu tempo...". Atentos às demandas do mercado, plantadores e grandes traficantes se empenharam em selecionar variedades genéticas com teores de THC que atingem 20%. A tecnologia permitiu chegar mais longe. Surgiram os vapes com 90% de THC, os baseados pré-enrolados e a maconha comestível, apresentações que nada têm a ver com a dos tempos românticos.
Um levantamento publicado em 2018, pelo hospital Bellevue, de Nova York, conduzido entre mulheres e homens de 18 a 49 anos que fumavam maconha pelo menos 20 dias por mês, mostrou que cerca de 30% se enquadravam no diagnóstico de hiperêmese por cannabis.
Há anos, psicólogas e psiquiatras com experiência no atendimento de dependentes químicos chamam a atenção para a influência do uso frequente de maconha no aparecimento de psicoses agudas temporárias, além de funcionar como gatilho para psicoses crônicas, como a esquizofrenia.
Com a enxurrada de casos de depressão e de ansiedade que a pandemia trouxe à tona, é provável que o número dos que procuram lenitivo num baseado continue a aumentar. Não é razoável esperar que o tráfico se interesse em reduzir as concentrações de THC na droga vendida nas ruas.
Então, vamos criar a "maconhabrás"? Haveria muitas dificuldades, entre as quais o controle da distribuição e o preço —se for baixo o consumo aumenta, caso contrário, não acaba com o tráfico.
Claro que você, leitor civilizado, acha estupidez defender que a polícia prenda os usuários surpreendidos com pequenas quantidades, mas é a favor da prisão de traficantes. Vamos lembrar que essa distinção não é clara. Dificilmente quem usa deixa de traficar. E se sua filha, criada com tanto carinho, comprar um pouco a mais para entregar à amiga que pediu o favor? Mereceria ir para a Fundação Casa ou para a penitenciária?
O caminho mais sensato é a educação. O primeiro passo é ensinar para as crianças e os adolescentes que maconha não é uma erva natural que não faz mal nem vicia. Drogas psicoativas estão associadas à compulsão e à abstinência. Depois, entender que o baseado de hoje é diferente daquele da contracultura do passado, agora lidamos com produtos que trazem concentrações perigosas de THC, cujos efeitos são mal conhecidos. Quem imaginaria que pudessem provocar vômitos incoercíveis que só melhoram com banhos quentes?
Não existe bala de prata. Na minha adolescência, 60% dos homens fumavam cigarros industrializados, hoje mal chegam a 10%. O controle do uso de drogas que causam dependência só pode ser alcançado através da educação, em casa, nas escolas e nos meios de comunicação de massa.
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