quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Cartão-postal, morro do Careca vive quadro dramático de erosão no RN, FSP

 Renata Moura

Natal (RN)

Debaixo do sol escaldante, às 13h30 em Natal, no Rio Grande do Norte, o comerciante Antônio Laureano, 60, finca os pés na praia de Ponta Negra e segura com firmeza o carrinho de vendas. Água de coco e as latas de cerveja no cardápio esperam o movimento melhorar, perto da calçada, em meio à maré cheia.

O ponto de vendas costumava ser em frente ao morro do Careca. Desde o fim de setembro, porém, o famoso cartão-postal potiguar está no centro de um decreto de emergência da prefeitura e na expectativa de outras intervenções públicas.

agravamento da erosão marinha, o perigo de "colapso iminente" e o "risco muito alto de deslizamentos" fundamentam a decisão que levou à emergência, inicialmente, por 90 dias.

morro deslizado de areia, ladeado por vegetação com sobrados ao fundo e mar à frente
Ponto turístico de Natal, o morro do Careca segue interditado, após degradação - Alexandre Lago/Folhapress

Placas no local avisam que a área é de risco e alertam: "não suba no morro". A proibição foi determinada pela Justiça Federal em 1997. "O pisoteio intenso ocasionado pela subida e descida de pessoas" foi citado na sentença como "o maior responsável pela erosão". Mas outras variáveis emergiram depois.

"Se considerarmos o histórico do morro, ele vive o momento mais crítico. As areias que chegavam a ele vinham da praia de trás, e ela demonstra um processo erosivo intenso", diz o professor do Departamento de Engenharia Civil da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) Venerando Eustáquio Amaro. "É um quadro bastante dramático. A severidade do processo erosivo é percebida em toda a região costeira".

Em uma tentativa de conter a energia das ondas, sacos de areia foram instalados na base do morro, em setembro. "Mas fizeram esses sacos tirando areia da própria praia, o que facilita mais ainda o acesso das marés", diz.

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Diferentes estudos mostram um processo erosivo crônico, o que engloba redução da areia na praia e retração de falésias. O desequilíbrio é visto desde os anos 1980 e se intensificou nas duas últimas décadas.

De 2006 a 2023, a área foi reduzida em 318,5 metros quadrados. A altura caiu para 63,3 metros —são 2,7 metros a menos. O pé do morro perdeu areia e virou falésia.

"Além da redução no volume de sedimentos, o aumento do nível do mar em função das mudanças climáticas amplia a erosão", diz Rodrigo Amorim, professor do de pós-graduação em geografia da UFRN e um dos autores do estudo.

Agora, com a diminuição no perfil de altura do morro, a tendência, segundo ele, é que a vegetação cubra a parte "careca" da duna que caracteriza o local. "O morro não vai desaparecer. Mas a forma estética que nós conhecemos tende a mudar", diz Amorim.

Homem e mulher em frente a área de areia deslizada até o mar, ladeada por vegetação
Noemya Correia, 46, enfermeira e Wesley Correia, 41, empresário de Goiânia, passam férias em Natal - Alexandre Lago/Folhapress

De férias em Natal, o casal Noemya Correia, 46, e Wesley Correia, 41, considera que o cartão-postal, agora, parece não existir mais.

Uma obra para alargar a faixa de areia da praia e ajudar a evitar mais danos começou em setembro, mas não tem data para chegar até o morro. No último dia 22, o primeiro trecho concluído foi aberto ao público. Ele tem cerca de 1 Km, 25% do total previsto no projeto.

Entre a primeira vez que especialistas indicaram a engorda e o início da execução se passaram 12 anos. Hoje, moradores apontam falta de diálogo com o município. A prefeitura afirma que realizou audiências públicas.

"Como ficará a situação das pessoas que trabalham e vivem na área e como o orçamento está sendo executado?", questiona a presidente do Conselho Comunitário de Ponta Negra, Lia Araújo.

A expectativa da prefeitura é concluir a obra até 20 de dezembro. O objetivo é ampliar a faixa de areia em 100 metros na maré baixa e em 50 metros na alta.

O alargamento teve início a 4 km, a pé, do morro do Careca, em um trecho margeado por hotéis de luxo. A prefeitura afirma que a decisão foi técnica.

Uma ação judicial do Ministério Público Federal assegurou o pagamento de auxílio a pescadores afetados. "É que nós não podemos pescar na parte interditada [para a engorda] e lá nessa época dá muito peixe", diz Almir Lima, 50.

A presidente da Colônia dos Pescadores de Natal, Rosangela Nascimento, afirma que a prefeitura "só decretou emergência porque queria fazer a engorda do jeito dela".

homem segura peixes em praia, com morro ao fundo
Almir Carlos de Lima, 50, pescador, espera melhorias na degradação do Morro do Careca com as obras da engorda de Ponta Negra - Alexandre Lago/Folhapress

Comércios da região esperam pelo fim das obras. "É uma intervenção extremamente necessária", diz a empresária Isis de Melo Santos, presidente da Associação dos Bares do Morro do Careca.

Laudo pericial da UFRN, usado na ação ajuizada pelo Ministério Público, já indicava a necessidade de engorda desde 2012, quando a maré destruiu parte do calçadão e causou outros estragos.

Amaro, que participou dos estudos, ressalta que a engorda é importante, mas paliativa. "Ela vai durar enquanto houver a possibilidade de alimentarmos ou realimentarmos a praia com sedimentos e é muito provável que ao longo dos anos nós tenhamos que discutir novas possibilidades, novos desenhos para a orla".

A via Costeira, ponto de partida e adjacente à Ponta Negra, também traz preocupações. A área também está no decreto de emergência da prefeitura e sofre consequências da erosão costeira.

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