terça-feira, 12 de novembro de 2024

Padrões sombrios em seu banco: o povo brasileiro não merece e o BC tem o dever de impedir, FSP

 Maria Paula Bertran

Professora de direito econômico da Faculdade de Direito da USP de Ribeirão Preto, autora de “Conglomerados Financeiros no Brasil” e fundadora do Acredito Think Tank, pela sustentabilidade do crédito

Neide Ayoub

Economista especializada em direito do consumidor

Os padrões sombrios (tradução da expressão dark patterns) são estratégias projetadas para influenciar consumidores a fazerem escolhas que beneficiam o fornecedor, em detrimento de seus próprios interesses. Os padrões sombrios são introduzidos no desenho dos ambientes virtuais de interação, explorando a falta de tempo e as fragilidades cognitivas das pessoas, em prejuízo da transparência e do respeito aos direitos básicos à informação e à liberdade de escolha.

Exemplos de padrões sombrios no sistema financeiro brasileiro incluem fazer o usuário realizar uma ação indesejada para acessar um serviço desejado. Ainda, mostrar um caminho simples para contratações, mas labiríntico para cancelamentos. Deixar como opção padrão o "pacote de serviços" mais caro possível, ao invés de esclarecer, desde logo, que a gratuidade de contas é um direito dos correntistas.

Enquanto os padrões sombrios das compras de passagens aéreas no Brasil já não surpreendem —ainda que, algum dia, o leitor tenha sido confundido na aquisição do seguro-viagem e nas taxas para marcação de poltrona—, as possibilidades para os bancos ainda assustam.

Nos últimos dias, as signatárias deste artigo notaram padrões sombrios nas opções para "fazer transferência" e "fazer Pix" em duas das maiores instituições financeiras do Brasil.

O conceito zero é essencial para o sitema de números binário, que é base da computação moderna
CSUEB/Alamy

Na primeira situação, o usuário que queria fazer um Pix era levado a uma tela onde havia duas opções: "continuar com cartão de crédito" e "fechar". Havia saldo em conta. Não havia solução possível para um usuário idoso ou inexperiente. Na segunda, em um padrão sombrio ligeiramente mais sutil, o aplicativo destacava, com uma linha de contorno em movimento, a opção de Pix pelo "cartão de crédito", ao lado das opções convencionais de uso dos recursos a partir da conta corrente ou da conta poupança.

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Por que alguém com dinheiro em conta escolheria fazer um Pix com o uso do cartão de crédito? Não há uma resposta clara. Por que o banco preferiria que seu cliente fizesse a transferência usando o cartão de crédito? Há várias respostas: ganhar a taxa e os juros pelo "saque do cartão de crédito" (efetivo resultado do pseudo-Pix), reforçar os números do cartão de crédito e aumentar a dependência dos serviços intermediados pelo banco (ideia antípoda à criação do Pix).

Os padrões sombrios são uma fração de preocupação maior: a possibilidade de redução do livre-arbítrio e a perda da capacidade de tomar decisões sem manipulação externa, no contexto de ampla interação tecnológica. Os chamados "neurodireitos" são a nova fronteira para as relações de consumo e para os direitos humanos.

Quando o Banco Central criou o Pix, surpreendeu o mercado com a especificação de uma série de regras visuais a serem obedecidas pelos bancos e pelo comércio. Essas regras, ainda em vigor, especificam tamanho, cor e localização do sinal "Pix", por exemplo.

Essas regras precisam ser ampliadas para desafiar os padrões obscuros, a arquitetura dos aplicativos dos bancos e a deletéria ambição de lucro construída sobre as fragilidades cognitivas das pessoas. A inovação do Pix não pode ser capturada pelos vícios do ecossistema financeiro brasileiro.

O Banco Central pode e precisa regulamentar mais.

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