segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Hélio Schwartsman - Autocracia S.A., FSP

 Não é que exista uma sala do mal, onde tiranos inspirados em vilões de filmes de James Bond se reúnem para conspirar contra o mundo livre, mas líderes autocratas estão se organizando e colaborando uns com os outros num modelo próximo do de aglomerados empresariais. Essa é a tese de "Autocracia S.A.", de Anne Applebaum.

O que une os autocratas contemporâneos não é um projeto ideológico. Não haveria como juntar num plano coerente de ideias o nacionalismo russo, o comunismo de mercado chinês, a teocracia iraniana e o bolivarianismo venezuelano. Mas todos eles (e vários outros) têm interesses pragmáticos comuns em encontrar meios de evitar sanções e reprimendas do Ocidente, aprimorar sistemas de vigilância e repressão interna e enfraquecer regimes que possam fazer-lhes oposição.

A imagem ilustra quatro líderes políticos (de Irã, China, Venezuela e Rússia) sentados ao redor de uma mesa redonda. À esquerda, um homem com barba e turbante preto. Ao lado dele, um homem de terno escuro e gravata vermelha. No centro, um homem com um terno azul e uma expressão de determinação, levantando o punho. À direita, um homem com cabelo claro e terno escuro. Ao fundo, um gráfico com linhas coloridas e as palavras 'fake news', 'vigilância' e 'controle'.
Ilustração de  Annette Schwartsman para a coluna de Hélio Schwartsman, esta que será publicada também na versão impressa da Folha neste domingo (3 de novembro). - Annette Schwartsman

Segundo Applebaum, essa autocracia S.A. já é uma realidade. E, em grande parte, por culpa do Ocidente, que errou ao menos duas vezes. Em primeiro lugar, acreditou, ingenuamente, que bastaria expor países como Rússia e China à economia de mercado para que se tornassem democracias.

Em segundo, não criou um ambiente de negócios e que impeça lavagem de dinheiro e a evasão de sanções, privando-se das armas que teria para enfrentar tiranos e cleptocratas. Em tese seria possível fazê-lo, mas não são poucos os atores ocidentais que ganham com a prática. A autora, que fez extensa pesquisa, mostra vários desses esquemas, dando nomes aos bois.

De modo análogo, ela faz críticas pesadas à tibieza do Ocidente na regulação de fake news e da inteligência artificial. É por meio delas que países como a Rússia interferem em eleições e estimulam o crescimento de grupos hostis à democracia.

Chama também a atenção a evolução do pensamento de Applebaum. Ela era uma autora conservadora que mantinha vínculos com políticos de direita. Continua conservadora, mas afastou-se de várias figuras da direita, que deixaram de se importar com a deterioração de democracias. Em alguns momentos, sua pauta em favor de maior regulação se aproxima da de grupos de esquerda.


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