A Folha, que noticiou os modos e manias (e custos) do evento que acabou conhecido como Gilmarpalooza e de outros convescotes de poderosos, empregou seu nome e sua credibilidade num evento do Lide, empresa da família do ex-governador de SP João Doria que congrega outras empresas em torno de interesses comuns.
Assinantes perguntam por que fazê-lo.
O diabo, como é sabido, mora nos detalhes. O jornal tem produzido inúmeros Seminários Folha na última década, ainda que dependentes de patrocínio, sem ceder a outras empresas o protagonismo das "iniciativas" –nem o domínio editorial sobre elas. Costuma fazer os eventos no Brasil.
Entrar como organizador na chamada Lide Brazil Conference, que já existia e que já carrega seus próprios propósitos e polêmicas (Nova York, 2022), é um passo arriscado. No jornal, a conferência de Londres foi apresentada como tendo sido promovida por Folha, UOL e Lide, nessa ordem.
Dois anos atrás, a presença de ministros do STF bancados pelo evento da família de Doria gerou barulho, confusão e ameaças aos integrantes da corte. Neste ano, o Banco Central arcou com as despesas do presidente da autarquia, Roberto Campos Neto. Foi o concorrente O Estado de S. Paulo, porém e de novo, que detalhou que a ida de Campos Neto à conferência de Londres estava sendo paga com dinheiro público.
Segundo o que o Estado havia apurado com o BC, Campos Neto também participaria "de uma reunião com investidores organizada pelo banco alemão Deutsche Bank".
Ao misturar seu nome a grupos de interesses de empresários e políticos, a Folha atravessa não apenas a rua mas também o Atlântico para pisar em casca de banana. A começar dessa pegadinha dos custos da viagem: se por um lado o jornal escapou de um escândalo como o de um trem da alegria do Judiciário, por outro vê seu nome misturado aos gastos da administração pública.
O conjunto dos participantes condizia pouco com discussões do jornal sobre diversidade. Dos 22 convidados para o evento de Londres, 5 eram mulheres. O número soa até razoável diante do "score" da próxima conferência da Folha com Lide e UOL, em Lisboa. Lá, são duas as mulheres convidadas como "keynote speakers". Ou seja, a cota para homens brancos é de 90%. Isso para ficar no gênero. Diversidade racial é quase inexistente.
Diversidade de ideias? Também mandou lembranças. A consonância empresarial e antigoverno, com quase nenhum espaço para o contraditório, pode ser uma escolha legítima para quaisquer grupos de empresários, mas soava em desacordo com os princípios editoriais da Folha.
Um dos poucos pontos altos nesse último quesito aconteceu longe do palco. O empresário Rubens Ometto, presidente do conselho de administração da Cosan, cobrou o presidente do Banco Central pela alta da taxa de juros no Brasil.
O encontro foi relatado pela colunista do UOL Raquel Landim, também uma das mediadoras. Segundo ela, Ometto "disse ao presidente do BC que, na sua avaliação, não fazia sentido continuar subindo os juros. O empresário argumentou que os juros altos estão inibindo os investimentos e que, por conta disso, o país corre o risco de um efeito reverso".
Foi Landim também que contou, na última semana, que João Doria reforça o time do bilionário indonésio Jackson Widjaja "em sua disputa contra os irmãos Joesley e Wesley Batista pelo controle da gigante de celulose Eldorado".
Faltou indicar, no material da Folha, as ligações de Doria e de Michel Temer com a Paper Excellence, uma das patrocinadoras do evento. Uma nota no jornal contava que "os ex-senadores Romero Jucá (RR) e Cassio Cunha Lima (PB)" foram ao encontro londrino "como representantes da empresa" e uma foto exibia Marcelo Itagiba, identificado como ex-deputado federal e advogado da Paper Excellence.
O material final publicado pela Folha tinha o título "Crescer sem destruir". "Em evento organizado por Folha, Lide e UOL em Londres, políticos, empresários e acadêmicos debatem caminhos para um desenvolvimento sustentável", afirmava o jornal. Difícil imaginar sustentabilidade compatível com os deslocamentos de dezenas de brasileiros até Londres para falar aquilo que poderia ser dito aqui mesmo, para as mesmas pessoas.
"Esse foi o primeiro seminário internacional feito pela Folha. Só foi possível realizá-lo, por causa dos custos, em parceria com o UOL e com o Grupo Lide, que tem grande experiência em eventos fora do país. A intenção de fazê-lo na Europa foi facilitar a participação de residentes no exterior e dar alcance maior ao que seria discutido", afirma o secretário de Redação Vinicius Mota.
"Ver a Folha e o UOL envolvidos num evento elitista e parcial me deu uma pontada de tristeza das grandes", resumiu um leitor.
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