terça-feira, 12 de novembro de 2024

'Acordo de Mariana': ruim para a política, bom para as empresas, FSP

 Andréa Zhouri

Professora da UFMG e presidente da Associação Brasileira de Antropologia

Sônia Magalhães

Professora da UFPA e vice-presidente da Associação Brasileira de Antropologia (2023-2024)

Seguindo o modelo "Big Business Brumadinho" ("A efetivação do ‘Big Business Brumadinho’", 9/2/21), o acordo que repactua a reparação do desastre ocorrido pelo colapso da barragem de Fundão, em Mariana (MG), em novembro de 2015, movimentou o mercado das ações das mineradoras responsáveis pelo maior desastre ambiental do Brasil, considerando-se volume de rejeitos e extensão.

As ações da BHP tiveram aumento de 1,42% e as da Vale subiram 4,16% desde o dia 25 de outubro, quando o acordo foi assinado pelas autoridades brasileiras e as empresas e homologado por Supremo Tribunal Federal, Tribunal Regional Federal da 6ª Região e Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

O presidente Lula e ministros participam da reunião de assinatura de acordo entre mineradoras e governos sobre a tragédia de Mariana, em Minas Gerais - Gabriela Biló/Folhapress

Esse desfecho em âmbito nacional ocorre na mesma semana em que foi iniciado na corte inglesa o julgamento da BHP (21 de outubro), empresa de origem anglo-australiana. Declarou o presidente do STFLuís Roberto Barroso: "Seria muito ruim que a solução desse problema viesse de uma Justiça estrangeira".

Premido pela conjuntura externa, então, o acordo foi fechado em R$ 170 bilhões e, da mesma forma como ocorrido em Brumadinho (MG), construído de forma sigilosa e sem a participação das pessoas atingidas.

Os recursos serão pagos ao longo de 20 anos e, em grande medida, destinados às instâncias governamentais em nível municipal, estadual e federal.

Trata-se de uma barganha celebrada pelos analistas do mercado de commodities. O acordo traz credibilidade para a Vale e cria um cenário atrativo para investidores, com perspectivas de retorno de US$ 5,4 bilhões entre os anos 2025-27 (De Alba, Markets Insider, 27/10/24).

Celebram também os políticos municipais e estaduais que, no período pós-eleitoral, poderão submeter às suas gestões os bilhões anunciados e, eventualmente, até cumprir eventuais compromissos de campanha.

Perdem os atingidos que amarguram sofrimento ininterrupto por nove anos. Ficam desacreditadas as instituições de Justiça, que aderem ao modelo da resolução extrajudicial dos conflitos e dos desastres sem punição aos comprovadamente culpados.

Perde a sociedade brasileira, que assiste indignada a essa modalidade de institucionalização do "jeitinho", que submete as instituições do país aos interesses das mineradoras, favorecendo a recorrência dos desastres e sua impunidade em Minas Gerais, Espírito Santo e Pará. E, portanto, perde a política, que retira de cena os principais atores, aqueles que viveram o desastre e vivem seus efeitos. Perde a política no contexto de um Estado que se deixa capturar por interesses das grandes mineradoras.

Consagra-se o Brasil como "zona de sacrifício" ou, na perspectiva dos negócios, como paraíso do neoextrativismo, lugar onde predomina a "justiça possível", nos dizeres de magistrados e procuradores atuantes no processo, o afrouxamento das normas ambientais e a capitulação dos direitos socioambientais e territoriais.

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