Donald Trump vence as eleições. O jornal Guardian oferece terapia à redação e aconselha os jornalistas ingleses mais robustos a consolarem os seus colegas americanos. Não é caso único. O choque da vitória é tão profundo que várias universidades dos Estados Unidos suspenderam as aulas e adiaram a entrega de ensaios para cuidar da saúde mental dos estudantes.
Há livros para colorir, peças de Lego para brincar, leite e bolachas para digerir, informa o Daily Telegraph. Mas o luto mais radical pertence a várias mulheres americanas que, confrontadas com a preferência masculina por Trump, prometem "greve ao sexo" durante os quatro anos do mandato. Está virando uma moda no TikTok. Sou insuspeito de simpatias trumpistas. Simpatias? Destes quatro anos, só espero o pior —e voltarei ao assunto em próximas colunas.
Mas quando leio notícias dessas olho para o Trump como um castigo divino, semelhante aos Quatro Cavaleiros do Apocalipse, para punir a espécie decadente em que nos tornamos. Merecemos Trump. Merecemos muito pior que Trump. A ideia de um jornalista precisar de terapia por causa de uma eleição é tão eloquente como um domador de leões com medo de um gatinho. De pelúcia.
Estudantes universitários —vou repetir: estudantes universitários precisando de leite e bolachas para afogar as mágoas deveria ser motivo mais que suficiente para expulsão do ensino superior e devolução imediata ao ensino fundamental. Mas intrigante são as mulheres, dispostas a quatro anos de abstinência para castigar os homens. Estranho. Eu julgava que um sacrifício desses era, primeiro que tudo, um castigo para as mulheres. Ou as mulheres não gostam de sexo?
Eis a verdade: há uma esquerda mais extrema que se assusta com Trump quando o mais natural seria festejar a vitória do homem. Brinco? Antes brincasse. Eu, um conservador da velha escola, que aprecia as virtudes da democracia liberal, a separação de poderes, o livre comércio e a existência de alianças militares que defendem a liberdade dos povos, eu, dizia, tenho direito a protestar.
Mas a esquerda mais extrema? Animem-se, camaradas! Bem vistas as coisas, Trump é tudo o que sempre quiseram.
Fato: as simpatias por Israel e o ódio aos delírios "woke" são anátema para muitos camaradas. Pormenores, pormenores. Nos assuntos globais que interessam, tudo confere. Se cumprir as promessas, Trump vai impor tarifas alfandegárias a produtos estrangeiros —60% à China, 10% a 20% aos restantes países— que, sem surpresa, levarão a retaliações e a uma guerra comercial. Será a mais séria derrota da globalização desde a Lei Tarifária Smoot- Hawley de 1930, quando o comércio internacional colapsou, agravando a Grande Depressão.
Quem diria?
Sim, quem diria que seria Trump, e não um marxista de passeata, a dar o golpe de misericórdia no "neoliberalismo"? O mesmo vale para a Otan, o "braço armado" do imperialismo americano. Trump não morre de amores pelo clube e não é de excluir que o torne inoperacional, ou irrelevante, sobretudo se os restantes membros não tiverem capacidade financeira para suportar as exigências financeiras do novo presidente. Tradução: o que o Pacto de Varsóvia não conseguiu —derrotar a Aliança Atlântica durante a Guerra Fria — pode ser um dos maiores feitos do movimento Maga.
E a Rússia?
Em 2022, quando Putin invadiu a Ucrânia, não faltaram camaradas a defender a "paz" pela mutilação territorial do país. Bastava que os ucranianos baixassem as armas e se entregassem a Moscou. Era a famosa teoria do "se um não quer, dois não brigam", lembra? O imperialismo, em teoria, é mau. Mas, no caso de Putin, parte da esquerda abria uma exceção.
Pois bem: Trump pode cumprir esse programa, suspendendo o fornecimento de armas a Kiev e enfiando pela goela abaixo de Zelenski a perda definitiva da Crimeia e do leste da Ucrânia. O que os camaradas pediram o Donald oferece. De resto, o novo isolacionismo americano deveria ser música para os ouvidos daquela esquerda que não tolera Washington como o policial do mundo.
Boas notícias: o policial retorna à casa. Mesmo em relação à China (e a Taiwan), ninguém de bom senso descarta a hipótese de um compromisso com Pequim. Será, finalmente, a vitória do mundo multipolar, que tanto encanta o antiamericanismo global.
Se a esquerda mais extrema não fosse tão histérica, olharia para o Trump com outros olhos. Os olhos da esperança e, quem sabe, da gratidão. E as mulheres americanas, abandonando a greve, renovariam suas paixões carnais com uma generosidade digna de figurar no "Guinness Book".
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