terça-feira, 8 de setembro de 2020

Cristina Serra A morte como commodity, FSP

 

Nos meses de quarentena, o Brasil conseguiu combinar duas catástrofes: uma das piores conduções mundiais do combate à pandemia, que resultou em massacre evitável de brasileiros, e o descontrole da epidemia de violência, que matou mais cidadãos e policiais no primeiro semestre deste ano que no mesmo período de 2019.

Pesquisa do Monitor da Violência e do site G1 aponta que, mesmo com o isolamento social, 3.148 pessoas foram mortas por policiais em 2020, 7% a mais que em 2019. E 103 policiais foram assassinados contra 83, aumento de 24%. Esses números estão em linha com o crescimento de assassinatos em geral: 6% a mais neste ano.

Como explicar essa doença social? O pesquisador Adilson Paes de Souza acaba de defender na USP a tese de doutorado "O policial que mata: um estudo sobre a letalidade praticada por policiais militares do estado de São Paulo". Para o estudioso, "a base do sistema de segurança pública no Brasil foi gestada na ditadura e a Constituição de 1988 não mudou isso. As PMs foram organizadas nos marcos da Doutrina de Segurança Nacional, que tem como meta a eliminação do inimigo interno para acabar com o comunismo".

Há outras razões para a enfermidade. "A morte violenta tornou-se uma commodity. Ganha-se muito dinheiro com a insegurança. Fabricantes de armas e munições, empresas que vendem sistemas de segurança, rastreamento, blindagem de carro, funerárias. A lógica é: o Estado não provê segurança, cada um se arma e se defende como pode e alguns enriquecem", avalia.

Bolsonaro, um devoto da violência, age dentro dessa lógica. Tem facilitado o acesso às armas de fogo e dificultado seu rastreamento. "Quanto mais armas no sistema legal, mais fácil armar milícias no campo e nas cidades. São as milícias que poderão, eventualmente, dar suporte a uma ruptura institucional", afirma Souza. É preciso admitir a barbárie para salvar a democracia.

[ x ]
Cristina Serra

Cristina Serra é jornalista.

Hélio Schwartsman Réquiem para a Lava Jato, FSP

 Em 1972, Richard Nixon, talvez o mais anticomunista de todos os presidentes americanos, fez uma visita à "China vermelha" que marcou a retomada de relações diplomáticas entre Washington e Pequim, após 25 anos de isolamento. A viagem consagrou a expressão "It took Nixon to go to China" (foi preciso Nixon para ir à China), que designa situações em que só políticos muito identificados com alguma tese podem ir contra ela sem pagar um preço exorbitante.


"Mutatis mutandis", a metáfora se aplica a Bolsonaro no esvaziamento da Lava Jato. Só o candidato que tomara carona na operação para eleger-se poderia voltar-se contra ela sem sofrer um enorme desgaste por isso. Ironicamente, foi sob Bolsonaro, e não sob o PT ou o centrão, que se estancou a sangria, se é lícito usar a expressão imortalizada por Romero Jucá.

Não estou, obviamente, afirmando que a Lava Jato ocorreu sem máculas. Como sempre ocorre nesse tipo de movimento, houve abusos que devem ser corrigidos. Penso que há elementos que justificam nulidades parciais em alguns casos, mas receio que estejamos prestes a cair no extremo oposto, pondo a perder os bons serviços prestados pela operação.

Como já disse aqui, pagaremos um mico internacional se tentarmos devolver para os bancos suíços o dinheiro repatriado, a fim de que seja restituído às contas dos ex-condenados. Apesar das coisas erradas, a Lava Jato teve o inegável mérito de desbaratar esquemas bilionários de corrupção e de condenar até então intocáveis empresários e políticos do primeiro escalão.

Há uma diferença importante entre Nixon e Bolsonaro. A aproximação com a China não significou uma traição às ideias anticomunistas do americano. Ele quis explorar as desavenças entre Pequim e Moscou, pois julgava a URSS um inimigo mais poderoso. No caso de Bolsonaro, não vejo como afastar a suspeita de que seu apoio à Lava Jato nunca passou de uma farsa.

Mau comportamento de turistas preocupa autoridades da Itália, OESP

 Elisabetta Povoledo, The New York Times – Life/Style

08 de setembro de 2020 | 05h00

ROMA – Primeiramente, dois turistas alemães fizeram um mergulho sem qualquer autorização no Canal Grande de Veneza, embaixo da Ponte de Rialto. Depois, um turista americano quebrou um dedo do pé de uma estátua de gesso da irmã de Napoleão enquanto posava para uma foto em um museu do norte da Itália.

Depois disso, uma turista francesa foi pega em flagrante usando uma caneta preta para imortalizar sua estada em Florença na famosa Ponte Vecchio. Agora, as autoridades italianas estão procurando uma jovem que tirou uma selfie de pé em cima das termas recém-reabertas em Pompeia, um frágil sítio arqueológico.

NYT - Life/Style (não usar em outras publicações)
A Praça de São Marcos em Veneza, uma cidade que costuma estar repleta de turistas, em 1º de junho de 2020.  Foto: Alessandro Grassani The New York Times

“Foi aberta uma investigação”, informou Massimo Osanna, diretor do sítio de Pompeia que está deixando o cargo, acrescentando que os promotores de uma cidade vizinha estão cuidando do caso. A pandemia do coronavírus massacrou a indústria do turismo da Itália, este ano – o que significou um golpe considerável na economia do país – mas os italianos afirmam que isto não deveria dar aos turistas um passe livre para destruir os tesouros culturais do país.

“Há a questão da vigilância, mas também a do despreparo dos visitantes”, dizia um editorial publicado na terça-feira no jornal de Roma, La Repubblica. “O que aconteceu em Pompeia mostra que o caminho para a educação dos que visitam os museus está ainda repleto de dificuldades e de eventos imprevistos”, acenando ao sem número de episódios de vandalismo e de danos causados a tesouros culturais por turistas visitantes.

Tentativas anteriores de conter este comportamento nem sempre foram bem-sucedidas. Na Câmara, os deputados introduziram no mês passado uma lei que endurece as penas dos condenados por destruir o patrimônio artístico da Itália. O ministro da Cultura, Dario Franceschini, tenta obter a aprovação de uma lei a este respeito desde 2016, mas não consegue a aprovação de ambas as Câmaras do Parlamento. “Aqui não é o Velho Oeste; existem leis contra os danos à herança cultural”, disse um porta-voz de Franceschini, Mattia Morandi, na terça-feira.

Mas o ministro afirmou que espera que penas mais rigorosas constituam um desestímulo maior para as pessoas “que quem sabe queiram gravar os seus nomes no Coliseu ou tirar mosaicos de Pompeia”, sem falar que eles estão destruindo algo de valor incalculável, acrescentou.

“Precisamos de esforços mais concentrados na educação dos turistas para fazer com que respeitem o nosso patrimônio, para fazê-los compreender onde estão”, disse Osanna, que no próximo mês deixará Pompeia para assumir um cargo no Ministério da Cultura encarregado de supervisionar os museus estatais da Itália. Pompeia é muito grande e difícil de monitorar, acrescentou.

“Mesmo que se aumente o pessoal da segurança em centenas de guardas, haverá sempre algum lugar que pode ser acessado sem um controle direto”, prosseguiu. Em vez de limitar o acesso ao sítio, Osanna acredita que seria melhor informar os visitantes de que estão pisando em um terreno frágil que pertence a toda a humanidade, “e que qualquer dano ao sítio é um dano ao patrimônio mundial”.

No caso da estátua, cujos dedos dos pés foram danificados em julho, as autoridades estão atrás do homem que usava o logotipo de visitante do museu. Os promotores analisarão o sistema de reservas de Pompeia para tentar ligar um nome à fotografia que apanhou o turista tirando a selfie além dos limites permitidos. O incidente ocorreu no dia 24 de julho, mas só se tornou notícia na Itália no fim de semana passado, depois de ter sido postado em várias contas de redes sociais.

A pessoa que tirou a foto, Antonio Irlando, disse que achou que talvez a mulher não soubesse que estava quebrando as normas, porque o cordão que deveria bloquear os degraus de tijolos até o telhado havia sido retirado e deixado em um canto. Irlando, arquiteto e presidente de uma associação local que monitora locais em Pompeia, falou em uma entrevista que depois de fazer a foto, tentou alcançar a mulher, mas ela tinha ido embora no momento em que ele chegou às termas.

Então, ele viu outra família subindo os degraus sem saber que estava pisando em território proibido. “Avisei as pessoas de que não era seguro’”, ele disse. “Quem sabe quantos já subiram sem que ninguém prestasse atenção”. Irlando contou que o seu banco de dados está repleto de fotografias “totalmente absurdas” de turistas que mostravam um mau comportamento em Pompeia, como caminhar ao longo dos antigos muros protegidos da cidade, ou apoiando-se em afrescos criados há cerca de 2 mil anos. “É um vício atávico”, ele disse. “Se você quiser outras fotos de pessoas que vandalizaram o sítio, me informe”.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times