Em 1972, Richard Nixon, talvez o mais anticomunista de todos os presidentes americanos, fez uma visita à "China vermelha" que marcou a retomada de relações diplomáticas entre Washington e Pequim, após 25 anos de isolamento. A viagem consagrou a expressão "It took Nixon to go to China" (foi preciso Nixon para ir à China), que designa situações em que só políticos muito identificados com alguma tese podem ir contra ela sem pagar um preço exorbitante.
"Mutatis mutandis", a metáfora se aplica a Bolsonaro no esvaziamento da Lava Jato. Só o candidato que tomara carona na operação para eleger-se poderia voltar-se contra ela sem sofrer um enorme desgaste por isso. Ironicamente, foi sob Bolsonaro, e não sob o PT ou o centrão, que se estancou a sangria, se é lícito usar a expressão imortalizada por Romero Jucá.
Não estou, obviamente, afirmando que a Lava Jato ocorreu sem máculas. Como sempre ocorre nesse tipo de movimento, houve abusos que devem ser corrigidos. Penso que há elementos que justificam nulidades parciais em alguns casos, mas receio que estejamos prestes a cair no extremo oposto, pondo a perder os bons serviços prestados pela operação.
Como já disse aqui, pagaremos um mico internacional se tentarmos devolver para os bancos suíços o dinheiro repatriado, a fim de que seja restituído às contas dos ex-condenados. Apesar das coisas erradas, a Lava Jato teve o inegável mérito de desbaratar esquemas bilionários de corrupção e de condenar até então intocáveis empresários e políticos do primeiro escalão.
Há uma diferença importante entre Nixon e Bolsonaro. A aproximação com a China não significou uma traição às ideias anticomunistas do americano. Ele quis explorar as desavenças entre Pequim e Moscou, pois julgava a URSS um inimigo mais poderoso. No caso de Bolsonaro, não vejo como afastar a suspeita de que seu apoio à Lava Jato nunca passou de uma farsa.
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