sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Vale 'secar' a economia?, FSP

Em condições normais, todo brasileiro deveria torcer pelo crescimento da economia

O futuro é contingente, mas o fator que, isoladamente, mais contribui para determinar o resultado de uma eleição é o desempenho econômico. Isso significa que um crescimento robusto ampliaria a chance de Jair Bolsonaro ser reeleito em 2022, enquanto uma trajetória mais vacilante multiplicaria a probabilidade de ele cair fora. A pergunta que proponho ao leitor que zela pelo avanço civilizacional é se devemos torcer por uma recuperação forte ou por algo mais titubeante.
Em condições normais, todo brasileiro que não seja um sádico deveria torcer para que a economia do país cresça sempre o máximo possível, independentemente de qual seja o governo. Ainda que a distribuição da prosperidade não seja equânime, ela acaba em algum grau beneficiando a todos. Há algo no governo Bolsonaro que justifique suspender o axioma de torcer a favor e nos autorize a desejar um desempenho econômico claudicante?
Não creio que o presidente e seus filhos tenham condições de pôr fim à democracia, mas está mais do que claro que a atual gestão já trouxe graves prejuízos a áreas como preservação ambiental, direitos humanos, ciência, educação e cultura. Com um eventual segundo mandato de Bolsonaro, o estrago seria muito maior, porque a distribuição dos danos não é linear.
Um bom exemplo é o do STF. Se Bolsonaro ficar quatro anos, nomeará ao menos dois ministros para a corte. Se ficar oito, mais dois. Com o primeiro par ele conseguirá puxar para o lado conservador questões em que o STF está dividido, mas, com um quarteto, poderá reverter até teses hoje folgadamente majoritárias. Não será uma surpresa se uma corte terrivelmente evangélica revisar a autorização para o aborto de anencéfalos, para citar um único caso.
Ainda não cheguei a um juízo definitivo sobre a minha torcida, mas, diante da não linearidade dos prejuízos, compreendo as razões daqueles que já "secam" a economia.
 
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

Treinando para fugir, Ruy Castro, FSP

Se o seu AI-5 não vier e a Constituição continuar valendo, Eduardo Bolsonaro talvez precise mesmo sair correndo

Na terça da semana passada (22), Eduardo Bolsonaro, deputado federal e filho do presidente, saiu correndo pelo Congresso, fugindo dos repórteres que queriam entrevistá-lo. Eduardo Bolsonaro acabara de se entronizar como líder do PSL na Câmara, o que, para os jornalistas, justificava uma entrevista. Sem explicação, valeu-se de seu preparo físico, arrancou em disparada e fez comer poeira os que, perplexos, tentaram segui-lo.
Na corrida em que bateu o recorde de velocidade nos três anexos da Câmara, Eduardo Bolsonaro abalroou vários incautos que cometeram o erro de estar no seu caminho e voou por uma escada rolante, saltando de cinco em cinco degraus. Seu segurança, tentando acompanhá-lo, deixou cair o celular e, na obrigação de recuperar o aparelho, ficou vários focinhos atrás do patrão. E o pobre cinegrafista do Congresso em Foco tinha não só de correr além de suas forças como tentar manter a câmera minimamente sem tremer —o que, claro, não conseguiu. O vídeo, disponível na internet, lembra os filmes do antigo Cinema Novo.  
Por que Eduardo Bolsonaro saiu correndo se ninguém ali o ameaçava, exceto talvez com perguntas? Uma hipótese seria a de um súbito e urgente compromisso no banheiro. Mas, então, por que escolher um banheiro tão longe? Ou talvez só não quisesse dar entrevista —direito que não lhe assiste. Pois surge agora outra hipótese: já prevendo o momento em que ameaçaria o país com um novo Ato Institucional nº 5 —e desconfiando que talvez não ficasse impune por tal afronta—, Eduardo Bolsonaro já começou a treinar para a eventualidade de, um dia, ter de fugir às pressas.
O Congresso, as Forças Armadas e o povo brasileiro sabem muito bem o que lhes custou o AI-5. Eduardo Bolsonaro parece não saber.
Mas, se o seu AI-5 não vier e a Constituição continuar em vigência, ele talvez não seja mais deputado federal.