quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Ao prefeito enfermo, um afago, Jairo Marques, FSP

Jairo Marques
Tenho em mim uma latente forma Pollyanna de pensar a vida, uma forma que é também meio Cremilda Medina, icônica professora da Escola de Comunicação e Artes da USP, que atormenta jornalistas que passam por seu caminho, insistindo para que sempre pensem no humano dentro da notícia, qualquer notícia.
Particularmente, senti que a manchete desta terça-feira (29), da Folha, deixou a desejar um afago mínimo ao prefeito, à sua família e ao leitor mais “sensível” quando diz: “Bruno Covas tem câncer, e Prefeitura de SP é dilema”.
Embora eu entenda o apelo noticioso e se justifique a situação de preocupação coletiva com o futuro da cidade, trata-se de um homem jovem, disposto, em seu primeiro enfrentamento do câncer, recebendo atendimento de primeiro mundo. Merecia ler algo mais alentador.
O enunciado e seu complemento trazem uma incômoda aproximação do diagnóstico à morte, à quebra da rotina da cidade, à necessidade urgente de pensar uma saída para a administração pública à beira da deriva.
Os maiores especialistas em câncer do mundo sempre repetem que o comportamento da doença pode ser, em partes, determinado pelo clima que cerca a pessoa diagnosticada.
Os que são positivos, têm ânimo de enfrentamento, têm motivação e apoio para seguir adiante, têm fé podem atingir resultados que vão embasbacar qualquer tomógrafo.
Se um grande jornal tem por princípio ser isento, objetivo e coletivo, penso que nada disso o impeça de ser também positivo, acolhedor com dores alheias, sensível diante momentos humanos extremos, afinal era o primeiro dia de anúncio oficial do câncer no trato digestivo de Covas, que já informou que vai “pra cima” da tumoração.
Volto a frisar que não desdenho da preocupação com os rumos da direção da maior cidade do país, mas essa desenhada fragilidade se fez muito rapidamente em uma cidade que resiste a tormentas diuturnas.
Os casos de pessoas que seguiram tocando suas vidas e seus compromissos carregando neoplasias de toda ordem até o máximo que puderam são recorrentes.
Os tempos mudaram e não tem mais essa de leão que machucou a pata não pode mais defender seu bando e tem de se retirar ao ostracismo. Vivemos o momento da diversidade em que quaisquer experiências podem somar, fazer a diferença e fazer melhor.
Por outro lado, no atual clima belicoso que se experimenta hoje, sobretudo para quem habita e se arrisca em redes sociais, teria sido um golaço dar uma ligeira demonstração de empatia diante da situação do prefeito.
Se há nestes pensamentos aspectos que façam parecer que se quer dourar a pílula ou ocultar a realidade dos fatos, vou me atrever a dizer que a comunicação de alto nível não pode se dissociar de tênues e legítimas sensações plurais, como o poder da esperança, da solidariedade e do espírito de colaboração.
Ao mesmo tempo que o ofício jornalístico tem o dever de revelar mazelas, de cobrar do poder público avanços de toda ordem, de fiscalizar o bom andamento social em todos os seus eixos, ele também mobiliza para o justo, alerta para boas promessas do porvir e destaca a poesia de Drummond. Sugiro que se leia “Os Ombros Suportam o Mundo”.
Ao Bruno Covas, às pessoas que estão entrando no acirrado enfrentamento ao câncer, que haja conforto de toda ordem, sobretudo à mente e à alma. Tenham o seu tempo, vivam bem suas histórias, façam a história dos outros melhor.

Bolsonaro ataca Globo e Witzel e nega envolvimento no caso Marielle, FSP

Gustavo Uribe
BRASÍLIA
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) reagiu à citação de seu nome na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e, em tom irritado e agressivo, fez uma transmissão em redes sociais na qual atacou a TV Globo e o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC).
Em viagem à Arábia Saudita, Bolsonaro acordou na madrugada de quarta-feira (30), noite de terça-feira (29) no Brasil, para responder a uma reportagem do Jornal Nacional, baseada no depoimento à Polícia Civil de um porteiro do condomínio onde o presidente tem casa no Rio de Janeiro.
Segundo a reportagem, o ex-policial militar Élcio Queiroz, suspeito de envolvimento no assassinato de Marielle e do motorista Anderson Gomes em março de 2018, disse na portaria que iria à casa de Jair Bolsonaro, na época deputado federal, no dia do crime. Os registros de presença da Câmara dos Deputados, no entanto, mostram que Bolsonaro estava em Brasília nesse dia.
Em live nas redes sociais, Bolsonaro fala sobre reportagem da TV Globo sobre o caso Marielle
Em live nas redes sociais, Bolsonaro fala sobre reportagem da TV Globo sobre o caso Marielle - Reprodução
Além de negar envolvimento no assassinato da vereadora, Bolsonaro chamou o governador do Rio de "inimigo" e ameaçou a não renovação da concessão da emissora de televisão em 2022.
"Acabei de ver aqui na ficha que o senhor [Witzel] teria vazado esse processo que está em segredo de Justiça para a Globo. O senhor só se elegeu governador porque o senhor ficou o tempo todo colado no Flávio Bolsonaro, meu filho", disse o presidente.
Segundo ele, o governador do Rio teria vazado essa informação da investigação porque é pré-candidato à disputa presidencial em 2022 e estaria empenhado em, segundo ele, "destruir a família Bolsonaro".
"Deixa muito claro que algo muito errado está neste processo. Eu gostaria de falar muito neste processo, conversar com esses delegados. Colocar em pratos limpos o que está acontecendo em meu nome. Por que querem me destruir? Por que essa sede pelo poder, senhor Witzel?", questionou.
Bolsonaro disse ainda que o processo de investigação da morte da vereadora está "bichado" e ressaltou que uma solução seria que, a partir de agora, ele fosse supervisionado pelo Conselho Superior do Ministério Público.
"Agora querer me vincular à morte da Marielle? Não vai colar. Não tinha motivo para matar quem quer que seja no Rio de Janeiro. Conheci essa vereadora no dia em que ela foi executada, em 14 de março", disse.
O PSOL afirmou que tentará audiência com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, nesta quarta (30) para tratar do caso. O partido quer que a corte autorize a polícia a investigar a menção a Bolsonaro, que tem foro privilegiado em razão do cargo. 
Em uma série de críticas, Bolsonaro acusou a TV Globo de querer infernizar a sua vida e disse que, se a emissora tivesse "o mínimo de decência", não teria divulgado detalhes de uma investigação em segredo judicial.
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"Vocês vão renovar a concessão em 2022. Não vou persegui-los, mas o processo vai estar limpo. Se o processo não estiver limpo, legal, não tem renovação da concessão de vocês, e de TV nenhuma. Vocês apostaram em me derrubar no primeiro ano e não conseguiram", disse.
No Brasil, as emissoras de TV e de rádio funcionam por concessões públicas, que precisam ser renovadas periodicamente.
Bolsonaro já havia feito menção à TV Globo nesta semana. A atual permissão da emissora vence em abril de 2023. A concessão é renovada ou cancelada pelo presidente, e o Congresso pode referendar ou derrubar na sequência o ato presidencial em votação nominal de 2/5 das Casas (artigo 223 da Constituição).
Segundo lei sancionada no governo Michel Temer (MDB), o presidente pode decidir sobre a concessão até um ano antes de ela vencer —ou seja, em abril de 2022, último ano do mandato de Bolsonaro.
Em tom exaltado, Bolsonaro chamou ainda de "patifaria" a cobertura que a emissora faz de seu mandato e disse que é feito um jornalismo "podre" e "canalha". Ele chamou ainda a imprensa de "porca" e "nojenta".
"Não vou conversar com vocês da TV Globo. Temos uma conversa em 2022. Eu tenho que estar morto até lá. O processo de renovação da concessão não vai ser perseguição", disse. "Mas tem de estar enxuto, legal. Não vai ter jeitinho para vocês, nem para ninguém, essa é a preocupação de vocês", acrescentou.
Para ele, o objetivo da emissora de televisão é prender o seu filho e senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro por suspeitas das práticas de lavagem de dinheiro, peculato e organização criminosa em seu gabinete parlamentar na época em que era deputado estadual.
"Parem de trair o Brasil. Não estão traindo a mim, não. Estão traindo o Brasil", disse. "Não tem dinheiro público para vocês. Vão ficar me infernizando até quando?", questionou.
Em relação ao caso Marielle, Bolsonaro afirmou ainda que o porteiro pode ter assinado o depoimento sem ler. "O que parece? Ou que o porteiro mentiu, ou que induziram o porteiro a cometer um falso testemunho, ou que escreveram algo no inquérito que o porteiro não leu e assinou na confiança. A intenção é sempre a mesma", afirmou.
Em entrevista à TV Record ainda na noite desta terça, Bolsonaro voltou a acusar Witzel de ter vazado à TV Globo as informações sobre o depoimento.
Bolsonaro afirmou que o inquérito da Polícia Civil do Rio de Janeiro está sendo mal conduzido e que há uma tentativa de criar uma cortina de fumaça para encobrir a real autoria do crime. 

WITZEL CRITICA REAÇÃO DE PRESIDENTE; GLOBO LAMENTA DECLARAÇÕES

A Globo afirmou em nota que lamenta que o presidente demonstre "não conhecer a missão do jornalismo de qualidade e use termos injustos para insultar aqueles que não fazem outra coisa senão informar com precisão".
Disse que "não fez patifaria nem canalhice" e que a mera citação do nome do presidente leva o Supremo a analisar a situação.
"[A reportagem] ressaltou, com ênfase e por apuração própria,  que as informações do porteiro se chocavam com um fato: a presença do então deputado Jair Bolsonaro em Brasília, naquele dia, com dois registros na lista de presença em votações. O depoimento do porteiro, com ou sem contradição, é importante, porque diz respeito a um fato que ocorreu com um dos principais acusados, no dia do crime."
Sobre as declarações de Bolsonaro de que renovará em 2022 a concessão se o processo estiver "enxuto", a Globo disse que não poderia esperar do presidente outra atitude. "Há 54 anos, a emissora jamais deixou de cumprir as suas obrigações."
O governador Wilson Witzel divulgou nota no fim da noite dizendo lamentar profundamente a "manifestação intempestiva do presidente" e que foi "atacado injustamente".
"Jamais houve qualquer tipo de interferência política nas investigações conduzidas pelo Ministério Público e a cargo da Polícia Civil. Em meu governo, as instituições funcionam plenamente e o respeito à lei rege todas nossas ações. Não transitamos no terreno da ilegalidade, não compactuo com vazamentos à imprensa", disse o governador.
Ele também afirmou que defenderá o equilíbrio e o bom senso nas relações pessoais e institucionais, como fez nos anos em que exerceu a magistratura. 
O procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, Eduardo Gussem, disse que as investigações sobre as mortes de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes continuam a cargo da Delegacia de Homicídios subordinada à Polícia Civil do Rio. Também afirmou que o trabalho é acompanhado pelo Ministério Público e tramita sob sigilo. 
Colaborou UOL