quarta-feira, 17 de abril de 2019

E se Guedes pegar fogo?, Elio Gaspari, FSP

Se o 'Posto Ipiranga' fechar, a conta irá para todo o Brasil

Todos os adultos que ouviam Jair Bolsonaro dizer que não entendia de economia, mas tinha à mão o seu "Posto Ipiranga", sabiam que isso era apenas uma frase engraçadinha. Alguns endinheirados, julgando-se mais espertos que os outros, viam nela uma promessa de abdicação. O capitão seria eleito, mas Paulo Guedes comandaria a economia. Fariam melhor se acreditassem em Papai Noel.
Nos últimos 60 anos o Brasil teve 12 presidentes e esse comando só foi delegado por três deles: Itamar Franco com FHC, Emílio Médici com Delfim Netto, e Castello Branco com a dupla Octavio Bulhões-Roberto Campos. Bolsonaro não tem a astúcia de Itamar, a disciplina de Médici nem o rigor de Castello. Para preservar o "Posto Ipiranga", precisará de astúcia, disciplina e rigor.
Quando o presidente meteu o sabre na política de preços da Petrobras, mostrou que precisa entender de administração. O estrago estava feito e o caminhoneiro "chorão" prevaleceu, ainda que momentaneamente. Prenuncia-se encrenca muito, muito maior: o incêndio do "Posto Ipiranga".
Cem dias de governo mostraram que a habilidade política de Paulo Guedes é mínima e, ainda assim, ele é obrigado a carregar as encrencas geradas pelo Planalto. Tudo isso com 13 milhões de desempregados e a economia andando de lado.
Se o "Posto Ipiranga" pegar fogo, por acidente ou autocombustão, a conta irá para todo o Brasil, para pessoas como as que procuram trabalho na fila do vale do Anhangabaú. Guedes atravessará a lombada do preço do diesel, mas o seu cristal trincou. Desde a campanha eleitoral, ele vinha repetindo uma palestra sobre macroeconomia. Desde o desastroso episódio da semana passada, o problema passará a ser de microgestão para prevenir o incêndio.
Guedes, ou qualquer outro ministro, não poderá carregar sozinho o piano da reforma da Previdência. Desde que ele atirou nas contas do Sistema S tem a má vontade do corporativismo empresarial. Isso para não mencionar os pleitos desatendidos na Fazenda que correm para outros ministérios ou mesmo para o palácio.
A preservação de Paulo Guedes não poderá depender só dele. Com a quantidade de poderes que lhe foram atribuídos por Bolsonaro, competirá ao presidente impedir que apareçam novas lombadas. É isso ou é melhor que se comece a pensar num substituto. Armínio Fraga? Falta combinar com ele.
Em 1979, o economista Mário Henrique Simonsen aceitou o que supunha ser o comando da economia. Aguentou seis meses num ministério onde estavam as poderosas figuras de Delfim Netto (Agricultura) e Mário Andreazza (Interior). Simonsen foi professor e amigo de Guedes e ensinou-lhe desprezar a pompa do poder. Ele sabia que aceitou uma aposta e posteriormente arrependeu-se de tê-la feito. Durante seu ocaso, o presidente tinha a bala de Delfim Netto na agulha, pronto para assumir a economia. O professor largou o piano, chamou o caminhão da mudança e foi para a praia do Leblon.
Guedes e Bolsonaro têm sobre suas cabeças a nuvem de uma cena ocorrida no gabinete onde hoje trabalha o capitão. O presidente João Figueiredo recebeu o professor sabendo que a conversa seria uma despedida. Era um general direto, desbocado.
--Mário, você acha que meu governo está uma merda, não?
--Presidente, eu estou indo embora, respondeu Simonsen.
O aspecto pitoresco desse diálogo tornou-se um irrelevante asterisco diante do tamanho da crise que já havia começado e caminhava para um catastrófico agravamento. Vieram o segundo choque do preço do petróleo e o colapso da dívida externa brasileira. Quem perdeu foi o Brasil

terça-feira, 16 de abril de 2019

'Puxadores' do orçamento, fiscais bancam deputados e acumulam vitórias em SP, FSP

Categoria consegue benefícios em demandas sobre gestões França e Doria

José Marques
SÃO PAULO
​Em tempos de crise econômica, com governantes preocupados em aumentar ou simplesmente manter a arrecadação estadual, a categoria responsável pela fiscalização de tributospassou a obter seguidas vitórias sobre as gestões paulistas.
Para isso, além da pressão imposta pela importância de sua tarefa, os fiscais usam articulação de bastidores e pesada influência financeira sobre os deputados.
Funcionários aguardam votação de aumento do teto estadual na Assembleia Legislativa de São Paulo
Funcionários aguardam votação de aumento do teto estadual na Assembleia Legislativa de São Paulo - José Antonio Texeira - 5.jun.2018/Alesp
Elite do funcionalismo e parte do seleto grupo de maiores salários do estado, os chamados “fiscais do ICMS” viraram prioridade nos governos Márcio França (PSB), durante o ano passado, e João Doria (PSDB), neste ano, após longo período de conflitos com Geraldo Alckmin (PSDB).
A principal demanda pública dos profissionais, chamados formalmente de agentes fiscais de rendas, é o aumento do teto estadual de R$ 22 mil (salário do governador) para R$ 30 mil (dos desembargadores do Tribunal de Justiça). Além disso, pleiteiam penduricalhos aos seus vencimentos, como auxílios e bonificações.
A gestão Alckmin resistiu à demanda enquanto pôde, sob o argumento de que o aumento do tetocolocaria o estado sob risco de descumprir o limite prudencial de gastos com pessoal, previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal —com um cálculo diferente, os fiscais de rendas dizem que isso não ocorreria. 
Aliados aos professores universitários, os fiscais fizeram pressão durante os anos de 2017 e 2018 na Assembleia Legislativa de São Paulo pelo aumento, que conseguiram apenas após Alckmin renunciar em abril e ceder lugar ao vice, Márcio França.
Atualmente, há 2.854 agentes fiscais de rendas na ativa em São Paulo, que são responsáveis pela fiscalização dos tributos estaduais e arrecadação, além de controle de políticas tributárias e orientação dos contribuintes.
Ano passado, o estado arrecadou cerca de R$ 160 bilhões em tributos, aproximadamente R$ 135 bilhões só com ICMS. Para este ano a previsão de receita com tributos é maior: de R$ 181 bilhões, sendo R$ 147 bilhões de ICMS.
Em dados de 2017 da Secretaria da Fazenda, cerca de 7% dos servidores estaduais recebiam mais de R$ 20 mil —1,8% do total de servidores com esses salários eram os agentes fiscais. 

COFRES E DEPUTADOS

À época em busca da reeleição e com forte discurso pró-funcionalismo, França abriu os cofres à categoria. Conseguiu articular a aprovação do aumento do teto na Assembleia, que deu 67 votos favoráveis e 4 contrários. 
Logo no início de sua gestão, editou uma resolução que permitia o pagamento de auxílios-transporte mensais aos funcionários, sem precisar comprovar deslocamentos. Ainda colocou um agente fiscal à frente da Secretaria da Fazenda. Em campanha, participou do evento de 30 anos do Sinafresp (Sindicato dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de SP), quando discursou aos profissionais. 
Ao mesmo tempo, os agentes fiscais também abriram os bolsos para os deputados estaduais. O patrono da categoria, Campos Machado, recebeu doações para o diretório estadual do seu partido, o PTB. 
Também receberam repasses, entre outros deputados, o atual líder do governo, Carlão Pignatari (PSDB), o filho do então governador, Caio França (PSB), Beth Sahão (PT) e o presidente da Assembleia, Cauê Macris (PSDB), agora reeleito para o comando da Casa. 
No caso de Cauê, 25% da campanha do ano passado (R$ 186 mil) foi bancada por 92 agentes fiscais de rendas, o que levantou até questionamentos da Procuradoria Regional Eleitoral. 
Porém, a partir de setembro, mês em que o Sinafresp publicou um vídeo dizendo ser “responsável pelo desenvolvimento de São Paulo”, a boa fase cedeu a um período de reveses. 
O aumento do teto salarial foi declarado inconstitucional pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, após um recurso da Prefeitura de São Bernardo do Campo (Grande SP), comandada pelo tucano Orlando Morando. 
Em outubro, França perdeu a reeleição para João Doria (PSDB), e, dois meses depois, em 21 de dezembro, o auxílio-transporte foi suspenso por orientação da Procuradoria-Geral do Estado. 
À época, o secretário Luiz Cláudio Rodrigues de Carvalho alertou em comunicado interno que o valor “poderá ser estornado nos meses subsequentes”. Isso gerou ações coletivas contra o governo recém-iniciado de Doria. 
Mas para evitar conflitos, o novo governador passou a conceder benesses aos agentes fiscais. Primeiro, enviou à Assembleia Legislativa um projeto que reduz o tempo de pagamento de bonificação por produtividade à classe, que passaria de trimestral a mensal. 
A medida ainda não foi aprovada. Nesta segunda-feira (15), o Sinafresp divulgou um comunicado afirmando que irá aos gabinetes de deputados para "sensibilizar os parlamentares" a trabalharem pelas medidas.
Depois o envio do projeto, em março, Doria reinstalou o pagamento do auxílio-transporte, mesmo com o próprio governo questionando a bonificação na Justiça. Também aumentou o valor: livres de impostos, entram R$ 4.100 nas contas dos agentes fiscais de rendas.
Essa bonificação é paga em troca de atividades extras que os agentes devem cumprir e que, segundo o governo, geraram desde o ano passado quase R$ 1,3 bilhão em arrecadação ao estado, mais R$ 300 milhões aos municípios.
Procurado, o Sinafresp afirma que a emenda do teto estadual tentava buscar equalizar a remuneração dos agentes fiscais com as dos auditores tributários dos outros estados. “Apesar de ser o quadro fiscalizatório que mais arrecada no Brasil, os AFRs [agentes fiscais de rendas] de São Paulo estão submetidos a um dos piores tetos remuneratórios do país”, afirma a entidade.
“Só no último ano, o trabalho da categoria trouxe para os cofres estaduais cerca de R$ 160 bilhões”, diz a entidade. “[A emenda] representaria um investimento em mão de obra qualificada a um ótimo custo/benefício para o governo”.
Sobre o auxílio-transporte de R$ 4.100, diz que se exige prova das atividades desempenhadas —o que, na verdade, não está previsto na resolução que institui os pagamentos. O estado afirma que publicará uma portaria que criará um sistema para comprovar essas atividades.
“Em relação a doações eleitorais da categoria a candidatos ao Legislativo, assim como boa parte da população brasileira, os agentes fiscais de rendas exercem sua cidadania por meio de voto e apoio a deputados com os quais se identificam e também acreditam serem defensores de seus ideais”, diz o Sinafresp.

Caminhamos para um estado de exceção?, Vera Chemim, OESP

Vera Chemim*
16 de abril de 2019 | 17h30

Vera Chemim. FOTO: DIVULGAÇÃO
A recente ordem de alguns membros do STF para restringir a liberdade de expressão da imprensa sinaliza para um estado de ameaça das garantias e direitos fundamentais, sob o suposto pressuposto de subversão da ordem.
Ao que parece, tais ordens vindas da mais alta instância do Poder Judiciário remetem à história mundial, em que magistrados em conjunto com a mais alta aristocracia e/ou monarquia reencarnavam o Estado, à época do Absolutismo na França.
“L’État, se moi”!
O perigo da personalização do Estado está se materializando no próprio Poder Judiciário, o Poder que deveria exercer acima de tudo, um papel moderador, relativamente à possibilidade de desmandos provenientes dos demais Poderes Públicos.
Independentemente da constatação de ofensas dirigidas aquele Poder, por meio de redes sociais, a Constituição Federal de 1988 é clara, ao expressar em mais de um dispositivo, os direitos do ofendido, de buscar a verdade e a justiça por meios judiciais e portanto legais.
Aquela possibilidade afasta em termos absolutos, iniciativas que venham a esbarrar no Estado Democrático de Direito, exaustivamente alcançado na segunda metade do Século XX e que precisa se manter, a despeito de qualquer estremecimento de ordem social ou política.
A questão que se coloca é a ponderação de princípios constitucionais extremamente relevantes e que devem ser respeitados mais do que nunca pela instância responsável pela defesa da Carta Magna.
A liberdade de expressão representa sem sombra de dúvida, o regime democrático de uma Nação.
O artigo 5º da Constituição prevê em seus incisos IV, IX, XIII e XIV que aquela liberdade deve ser preservada, enquanto princípio destinado à informação e à comunicação de fatos de interesse público.
Da mesma forma, a Carta Magna disponibiliza no inciso V, do mesmo artigo, o direito de resposta a posteriori, no caso de se divulgarem inverdades que venham a denegrir a imagem de pessoas ou organizações públicas ou privadas.
Ademais, o Código Penal dispõe sobre as sanções a serem aplicadas aos agentes que venham a cometer os crimes de injúria, difamação ou calúnia, sem olvidar da possiblidade de indenização por danos morais, materiais ou à imagem, conforme prevê aquele inciso constitucional e o Código Civil.
Destarte, a iniciativa do STF de abrir inquérito sob a justificativa de investigar determinados comportamentos evidenciados em veículos de comunicação, ofendendo membros daquele tribunal e de modo especial, exigindo a retirada de reportagem da revista Crusoé e do site O Antagonista, extrapolou totalmente de suas funções de guardião da Constituição, além de paradoxalmente a afrontar diretamente, no que diz respeito a uma das suas mais caras “cláusulas pétreas” previstas no inciso IV, do § 4º, do artigo 60 da Carta Magna: “os direitos e as garantias individuais”.
Quanto à primeira determinação de abrir inquérito, o STF que tem como função precípua, o processamento e julgamento de ações constitucionais e penais, além de recursos que chegam à Corte agregou por sua conta e risco, a função do Ministério Público, ao determinar a abertura de inquérito como órgão acusador, intervindo de forma escancarada na seara daquele órgão e ainda desatendendo aos seus próprios dispositivos regimentais, ao indicar um dos Ministros para aquela missão, desprezando a regra do sorteio.
A função simultânea de “acusar, denunciar e julgar” desafia os dispositivos constitucionais e legais, além de simbolizar uma conduta “autoritarista e intimidadora” em relação às empresas de comunicação, aos demais Poderes Públicos e seus respectivos órgãos e à sociedade brasileira.
De acordo com o artigo 137, da Constituição Federal de 1988, esse tipo de conduta parece remeter a um “estado de exceção”, condicionado a ocorrência de fatos extremamente graves a nível nacional.
Naquelas supostas circunstâncias, os incisos III e V, do artigo 139, da Constituição Federal determinam restrições, entre outras, relacionadas à liberdade de expressão e à busca e apreensão em domicílio, respectivamente.
Depreende-se pois, que aquelas medidas são de caráter “excepcional” e não têm a ver com as “questões medíocres” com que se depara aquele tribunal.
Trata-se pois, de um episódio deprimente que, além de contribuir fortemente para a já desgastada imagem da mais alta instância do Poder Judiciário, ainda escancara a fraqueza na sua gestão.
A democracia existe para impedir o acúmulo de funções incompatíveis como a de julgamento e a de órgão investigador e acusatório.
A despeito de o MP não ter sido demandado para aquela investigação que seria a conduta correta, aquele órgão tem a competência legal para a sua abertura ou arquivamento.
Como tudo começou errado, tendo em vista a ingerência do STF na seara de competência do MP, o arquivamento determinado por Dodge representa um alívio para a restauração do equilíbrio das instituições democráticas e das suas reais competências…
*Vera Chemim, advogada constitucionalista