Se o 'Posto Ipiranga' fechar, a conta irá para todo o Brasil
Todos os adultos que ouviam Jair Bolsonaro dizer que não entendia de economia, mas tinha à mão o seu "Posto Ipiranga", sabiam que isso era apenas uma frase engraçadinha. Alguns endinheirados, julgando-se mais espertos que os outros, viam nela uma promessa de abdicação. O capitão seria eleito, mas Paulo Guedes comandaria a economia. Fariam melhor se acreditassem em Papai Noel.
Nos últimos 60 anos o Brasil teve 12 presidentes e esse comando só foi delegado por três deles: Itamar Franco com FHC, Emílio Médici com Delfim Netto, e Castello Branco com a dupla Octavio Bulhões-Roberto Campos. Bolsonaro não tem a astúcia de Itamar, a disciplina de Médici nem o rigor de Castello. Para preservar o "Posto Ipiranga", precisará de astúcia, disciplina e rigor.
Quando o presidente meteu o sabre na política de preços da Petrobras, mostrou que precisa entender de administração. O estrago estava feito e o caminhoneiro "chorão" prevaleceu, ainda que momentaneamente. Prenuncia-se encrenca muito, muito maior: o incêndio do "Posto Ipiranga".
Cem dias de governo mostraram que a habilidade política de Paulo Guedes é mínima e, ainda assim, ele é obrigado a carregar as encrencas geradas pelo Planalto. Tudo isso com 13 milhões de desempregados e a economia andando de lado.
Se o "Posto Ipiranga" pegar fogo, por acidente ou autocombustão, a conta irá para todo o Brasil, para pessoas como as que procuram trabalho na fila do vale do Anhangabaú. Guedes atravessará a lombada do preço do diesel, mas o seu cristal trincou. Desde a campanha eleitoral, ele vinha repetindo uma palestra sobre macroeconomia. Desde o desastroso episódio da semana passada, o problema passará a ser de microgestão para prevenir o incêndio.
Guedes, ou qualquer outro ministro, não poderá carregar sozinho o piano da reforma da Previdência. Desde que ele atirou nas contas do Sistema S tem a má vontade do corporativismo empresarial. Isso para não mencionar os pleitos desatendidos na Fazenda que correm para outros ministérios ou mesmo para o palácio.
A preservação de Paulo Guedes não poderá depender só dele. Com a quantidade de poderes que lhe foram atribuídos por Bolsonaro, competirá ao presidente impedir que apareçam novas lombadas. É isso ou é melhor que se comece a pensar num substituto. Armínio Fraga? Falta combinar com ele.
Em 1979, o economista Mário Henrique Simonsen aceitou o que supunha ser o comando da economia. Aguentou seis meses num ministério onde estavam as poderosas figuras de Delfim Netto (Agricultura) e Mário Andreazza (Interior). Simonsen foi professor e amigo de Guedes e ensinou-lhe desprezar a pompa do poder. Ele sabia que aceitou uma aposta e posteriormente arrependeu-se de tê-la feito. Durante seu ocaso, o presidente tinha a bala de Delfim Netto na agulha, pronto para assumir a economia. O professor largou o piano, chamou o caminhão da mudança e foi para a praia do Leblon.
Guedes e Bolsonaro têm sobre suas cabeças a nuvem de uma cena ocorrida no gabinete onde hoje trabalha o capitão. O presidente João Figueiredo recebeu o professor sabendo que a conversa seria uma despedida. Era um general direto, desbocado.
--Mário, você acha que meu governo está uma merda, não?
--Presidente, eu estou indo embora, respondeu Simonsen.
O aspecto pitoresco desse diálogo tornou-se um irrelevante asterisco diante do tamanho da crise que já havia começado e caminhava para um catastrófico agravamento. Vieram o segundo choque do preço do petróleo e o colapso da dívida externa brasileira. Quem perdeu foi o Brasil
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