Categoria consegue benefícios em demandas sobre gestões França e Doria
SÃO PAULO
Em tempos de crise econômica, com governantes preocupados em aumentar ou simplesmente manter a arrecadação estadual, a categoria responsável pela fiscalização de tributospassou a obter seguidas vitórias sobre as gestões paulistas.
Para isso, além da pressão imposta pela importância de sua tarefa, os fiscais usam articulação de bastidores e pesada influência financeira sobre os deputados.
Elite do funcionalismo e parte do seleto grupo de maiores salários do estado, os chamados “fiscais do ICMS” viraram prioridade nos governos Márcio França (PSB), durante o ano passado, e João Doria (PSDB), neste ano, após longo período de conflitos com Geraldo Alckmin (PSDB).
A principal demanda pública dos profissionais, chamados formalmente de agentes fiscais de rendas, é o aumento do teto estadual de R$ 22 mil (salário do governador) para R$ 30 mil (dos desembargadores do Tribunal de Justiça). Além disso, pleiteiam penduricalhos aos seus vencimentos, como auxílios e bonificações.
A gestão Alckmin resistiu à demanda enquanto pôde, sob o argumento de que o aumento do tetocolocaria o estado sob risco de descumprir o limite prudencial de gastos com pessoal, previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal —com um cálculo diferente, os fiscais de rendas dizem que isso não ocorreria.
Aliados aos professores universitários, os fiscais fizeram pressão durante os anos de 2017 e 2018 na Assembleia Legislativa de São Paulo pelo aumento, que conseguiram apenas após Alckmin renunciar em abril e ceder lugar ao vice, Márcio França.
Atualmente, há 2.854 agentes fiscais de rendas na ativa em São Paulo, que são responsáveis pela fiscalização dos tributos estaduais e arrecadação, além de controle de políticas tributárias e orientação dos contribuintes.
Ano passado, o estado arrecadou cerca de R$ 160 bilhões em tributos, aproximadamente R$ 135 bilhões só com ICMS. Para este ano a previsão de receita com tributos é maior: de R$ 181 bilhões, sendo R$ 147 bilhões de ICMS.
Em dados de 2017 da Secretaria da Fazenda, cerca de 7% dos servidores estaduais recebiam mais de R$ 20 mil —1,8% do total de servidores com esses salários eram os agentes fiscais.
COFRES E DEPUTADOS
À época em busca da reeleição e com forte discurso pró-funcionalismo, França abriu os cofres à categoria. Conseguiu articular a aprovação do aumento do teto na Assembleia, que deu 67 votos favoráveis e 4 contrários.
Logo no início de sua gestão, editou uma resolução que permitia o pagamento de auxílios-transporte mensais aos funcionários, sem precisar comprovar deslocamentos. Ainda colocou um agente fiscal à frente da Secretaria da Fazenda. Em campanha, participou do evento de 30 anos do Sinafresp (Sindicato dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de SP), quando discursou aos profissionais.
Ao mesmo tempo, os agentes fiscais também abriram os bolsos para os deputados estaduais. O patrono da categoria, Campos Machado, recebeu doações para o diretório estadual do seu partido, o PTB.
Também receberam repasses, entre outros deputados, o atual líder do governo, Carlão Pignatari (PSDB), o filho do então governador, Caio França (PSB), Beth Sahão (PT) e o presidente da Assembleia, Cauê Macris (PSDB), agora reeleito para o comando da Casa.
No caso de Cauê, 25% da campanha do ano passado (R$ 186 mil) foi bancada por 92 agentes fiscais de rendas, o que levantou até questionamentos da Procuradoria Regional Eleitoral.
Porém, a partir de setembro, mês em que o Sinafresp publicou um vídeo dizendo ser “responsável pelo desenvolvimento de São Paulo”, a boa fase cedeu a um período de reveses.
O aumento do teto salarial foi declarado inconstitucional pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, após um recurso da Prefeitura de São Bernardo do Campo (Grande SP), comandada pelo tucano Orlando Morando.
Em outubro, França perdeu a reeleição para João Doria (PSDB), e, dois meses depois, em 21 de dezembro, o auxílio-transporte foi suspenso por orientação da Procuradoria-Geral do Estado.
Em outubro, França perdeu a reeleição para João Doria (PSDB), e, dois meses depois, em 21 de dezembro, o auxílio-transporte foi suspenso por orientação da Procuradoria-Geral do Estado.
À época, o secretário Luiz Cláudio Rodrigues de Carvalho alertou em comunicado interno que o valor “poderá ser estornado nos meses subsequentes”. Isso gerou ações coletivas contra o governo recém-iniciado de Doria.
Mas para evitar conflitos, o novo governador passou a conceder benesses aos agentes fiscais. Primeiro, enviou à Assembleia Legislativa um projeto que reduz o tempo de pagamento de bonificação por produtividade à classe, que passaria de trimestral a mensal.
A medida ainda não foi aprovada. Nesta segunda-feira (15), o Sinafresp divulgou um comunicado afirmando que irá aos gabinetes de deputados para "sensibilizar os parlamentares" a trabalharem pelas medidas.
Depois o envio do projeto, em março, Doria reinstalou o pagamento do auxílio-transporte, mesmo com o próprio governo questionando a bonificação na Justiça. Também aumentou o valor: livres de impostos, entram R$ 4.100 nas contas dos agentes fiscais de rendas.
Essa bonificação é paga em troca de atividades extras que os agentes devem cumprir e que, segundo o governo, geraram desde o ano passado quase R$ 1,3 bilhão em arrecadação ao estado, mais R$ 300 milhões aos municípios.
Procurado, o Sinafresp afirma que a emenda do teto estadual tentava buscar equalizar a remuneração dos agentes fiscais com as dos auditores tributários dos outros estados. “Apesar de ser o quadro fiscalizatório que mais arrecada no Brasil, os AFRs [agentes fiscais de rendas] de São Paulo estão submetidos a um dos piores tetos remuneratórios do país”, afirma a entidade.
“Só no último ano, o trabalho da categoria trouxe para os cofres estaduais cerca de R$ 160 bilhões”, diz a entidade. “[A emenda] representaria um investimento em mão de obra qualificada a um ótimo custo/benefício para o governo”.
Sobre o auxílio-transporte de R$ 4.100, diz que se exige prova das atividades desempenhadas —o que, na verdade, não está previsto na resolução que institui os pagamentos. O estado afirma que publicará uma portaria que criará um sistema para comprovar essas atividades.
“Em relação a doações eleitorais da categoria a candidatos ao Legislativo, assim como boa parte da população brasileira, os agentes fiscais de rendas exercem sua cidadania por meio de voto e apoio a deputados com os quais se identificam e também acreditam serem defensores de seus ideais”, diz o Sinafresp.
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