Vera Chemim*
16 de abril de 2019 | 17h30
A recente ordem de alguns membros do STF para restringir a liberdade de expressão da imprensa sinaliza para um estado de ameaça das garantias e direitos fundamentais, sob o suposto pressuposto de subversão da ordem.
Ao que parece, tais ordens vindas da mais alta instância do Poder Judiciário remetem à história mundial, em que magistrados em conjunto com a mais alta aristocracia e/ou monarquia reencarnavam o Estado, à época do Absolutismo na França.
“L’État, se moi”!
O perigo da personalização do Estado está se materializando no próprio Poder Judiciário, o Poder que deveria exercer acima de tudo, um papel moderador, relativamente à possibilidade de desmandos provenientes dos demais Poderes Públicos.
Independentemente da constatação de ofensas dirigidas aquele Poder, por meio de redes sociais, a Constituição Federal de 1988 é clara, ao expressar em mais de um dispositivo, os direitos do ofendido, de buscar a verdade e a justiça por meios judiciais e portanto legais.
Aquela possibilidade afasta em termos absolutos, iniciativas que venham a esbarrar no Estado Democrático de Direito, exaustivamente alcançado na segunda metade do Século XX e que precisa se manter, a despeito de qualquer estremecimento de ordem social ou política.
A questão que se coloca é a ponderação de princípios constitucionais extremamente relevantes e que devem ser respeitados mais do que nunca pela instância responsável pela defesa da Carta Magna.
A liberdade de expressão representa sem sombra de dúvida, o regime democrático de uma Nação.
O artigo 5º da Constituição prevê em seus incisos IV, IX, XIII e XIV que aquela liberdade deve ser preservada, enquanto princípio destinado à informação e à comunicação de fatos de interesse público.
Da mesma forma, a Carta Magna disponibiliza no inciso V, do mesmo artigo, o direito de resposta a posteriori, no caso de se divulgarem inverdades que venham a denegrir a imagem de pessoas ou organizações públicas ou privadas.
Ademais, o Código Penal dispõe sobre as sanções a serem aplicadas aos agentes que venham a cometer os crimes de injúria, difamação ou calúnia, sem olvidar da possiblidade de indenização por danos morais, materiais ou à imagem, conforme prevê aquele inciso constitucional e o Código Civil.
Destarte, a iniciativa do STF de abrir inquérito sob a justificativa de investigar determinados comportamentos evidenciados em veículos de comunicação, ofendendo membros daquele tribunal e de modo especial, exigindo a retirada de reportagem da revista Crusoé e do site O Antagonista, extrapolou totalmente de suas funções de guardião da Constituição, além de paradoxalmente a afrontar diretamente, no que diz respeito a uma das suas mais caras “cláusulas pétreas” previstas no inciso IV, do § 4º, do artigo 60 da Carta Magna: “os direitos e as garantias individuais”.
Quanto à primeira determinação de abrir inquérito, o STF que tem como função precípua, o processamento e julgamento de ações constitucionais e penais, além de recursos que chegam à Corte agregou por sua conta e risco, a função do Ministério Público, ao determinar a abertura de inquérito como órgão acusador, intervindo de forma escancarada na seara daquele órgão e ainda desatendendo aos seus próprios dispositivos regimentais, ao indicar um dos Ministros para aquela missão, desprezando a regra do sorteio.
A função simultânea de “acusar, denunciar e julgar” desafia os dispositivos constitucionais e legais, além de simbolizar uma conduta “autoritarista e intimidadora” em relação às empresas de comunicação, aos demais Poderes Públicos e seus respectivos órgãos e à sociedade brasileira.
De acordo com o artigo 137, da Constituição Federal de 1988, esse tipo de conduta parece remeter a um “estado de exceção”, condicionado a ocorrência de fatos extremamente graves a nível nacional.
Naquelas supostas circunstâncias, os incisos III e V, do artigo 139, da Constituição Federal determinam restrições, entre outras, relacionadas à liberdade de expressão e à busca e apreensão em domicílio, respectivamente.
Depreende-se pois, que aquelas medidas são de caráter “excepcional” e não têm a ver com as “questões medíocres” com que se depara aquele tribunal.
Trata-se pois, de um episódio deprimente que, além de contribuir fortemente para a já desgastada imagem da mais alta instância do Poder Judiciário, ainda escancara a fraqueza na sua gestão.
A democracia existe para impedir o acúmulo de funções incompatíveis como a de julgamento e a de órgão investigador e acusatório.
A despeito de o MP não ter sido demandado para aquela investigação que seria a conduta correta, aquele órgão tem a competência legal para a sua abertura ou arquivamento.
Como tudo começou errado, tendo em vista a ingerência do STF na seara de competência do MP, o arquivamento determinado por Dodge representa um alívio para a restauração do equilíbrio das instituições democráticas e das suas reais competências…
*Vera Chemim, advogada constitucionalista
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