sábado, 14 de outubro de 2017

A nova normalidade da economia - ROBERTO GIANNETTI DA FONSECA


ESTADÃO - 13/10

Para vislumbrar o retorno ao crescimento sustentável, há tarefas que ficarão na pauta para o futuro próximo


Aproveitei uma recente viagem ao exterior para mergulhar de cabeça na leitura de um novo livro do economista André Lara Resende, Juros, moeda e ortodoxia, que reúne alguns ensaios sobre a evolução da teoria monetária e da relação de juros e moeda com o fenômeno inflacionário. Ali ele enfrenta a ortodoxia monetária prevalecente com muita coragem e sólida argumentação. O autor apresenta sua percepção de que a experiência heterodoxa dos países desenvolvidos desde a crise de 2008 demonstra que a taxa nominal de juros seria a mais importante referência para a formação das expectativas de inflação de uma economia. Essa hipótese, se confirmada com maior grau de aferição, nos permitiria afirmar que a prática de juros elevados poderia ter alimentado as expectativas inflacionarias, ao invés de reduzi-las.

O fato é que, como consequência de juros elevados, ocorreram efeitos perversos que prejudicaram o recente desempenho da economia brasileira. O primeiro foi o agravamento da dívida pública, gerando contínuos déficits nominais, que, pela sua evolução e magnitude, deixa dúvidas sobre a sua sustentabilidade. Para enfrentar este déficit nominal, a carga tributária sobre a população brasileira foi elevada ao limite máximo de tolerância. A parcela da carga tributária atribuída ao pagamento de juros, cerca de 1/3 de toda a arrecadação, poderia ser definida como uma transferência indireta de renda por meio do Tesouro Nacional de setores produtivos para o setor financeiro rentista. Este excessivo ônus tributário resulta na inibição dos níveis de investimentos e de consumo, pilares de qualquer política de desenvolvimento econômico. Cabe destacar que nos últimos anos o nível de investimento de nossa economia desabou de cerca de 20% do PIB para ínfimos 14%, entre outros fatores por causa do custo de oportunidade do capital, sempre agravado pela referência à taxa Selic quase sempre em patamares de dois dígitos.

Outra variável macroeconômica afetada pela política de juros altos tem sido a taxa de câmbio, que no Brasil vem sendo formada primordialmente pelos fluxos virtuais do mercado futuro de câmbio – em que ocorre a arbitragem entre as taxas de juros externas e as internas, denominada de carry trade –, que atingiram nos últimos dez anos volumes estratosféricos, múltiplas vezes maiores que o volume das operações cambiais do mercado à vista. Este viés de apreciação cambial tem afetado de forma sistêmica e silenciosa o desempenho do setor industrial, uma vez que as exportações de manufaturados se tornam cada vez mais caras e menos competitivas e as importações se tornam mais baratas no mercado brasileiro.

Seria muito mais saudável para a economia brasileira a ocorrência de uma taxa de câmbio flutuante menos distorcida pela hipertrofia do mercado futuro e mais desvalorizada e competitiva para os setores produtivos, gerando renda e emprego para a população. Isso permitiria realizar a simultânea desgravação tarifária das importações e obter um maior grau de abertura e inserção do Brasil na economia mundial. O maior grau de abertura de nossa economia concorreria para estimular a produtividade e a competitividade de nossas empresas, com maior nível de investimentos em infraestrutura, inovação e tecnologia, por exemplo.

Bastariam esses argumentos para entender que uma economia praticante de juros altos e de câmbio apreciado não poderia ter esperança de bom desempenho. A recente queda da inflação e da taxa de juros deveria permitir agora, finalmente, vislumbrar um retorno à normalidade de crescimento sustentável da economia brasileira após quatro anos de aguda experiência recessiva. Mas a tarefa está longe de ser concluída: restam, ainda, reformas essenciais, da Previdência e a simplificação tributária, como também a normalização do mercado flutuante de câmbio, que deve vir acompanhada da desgravação tarifária das importações – tarefas que ficarão na pauta para o futuro próximo. A nova normalidade pode estar em breve a caminho, para alívio da população brasileira.

*ECONOMISTA, PRESIDENTE DA KADUNA CONSULTORIA, É VICE-CHAIRMAN DO GRUPO DE LÍDERES EMPRESARIAIS (LIDE)

Juro baixo vai durar? - FERNANDO DANTAS, OESP


ESTADÃO - 13/10

Última vez que houve período longo de juro tão reduzido foi no segundo governo Vargas


Em recém-lançado relatório, em que revisou para cima suas projeções de crescimento do Brasil em 2017 e 2018 (para 0,8% e 3,2%, respectivamente), o departamento de análise econômica do banco Santander faz uma pergunta interessante: será que o País está caminhando para ter a taxa de juros mais baixa de toda a sua história?

A questão é difícil, porque falta informação confiável e há vários conceitos de taxas de juros. Mas o relatório, assinado por Mauricio Molan, economista-chefe do Santander, combinou dados de diversas fontes para concluir que uma taxa overnight de juros interbancários abaixo de 7,25% seria a mais baixa dos últimos 60 anos.

E é para lá que tudo indica que o País está caminhando. O próprio Santander prevê que a Selic, a taxa básica regulada pelo BC que determina o overnight interbancário, vai cair para 6,75% em 2018.

Hoje a Selic está em 8,25%, com forte recuo ante o nível de 14,25% que perdurou de julho de 2015 até outubro de 2016. O ponto mais baixo já atingido pela Selic desde o início do sistema de metas de inflação (em 1999) foi de 7,25%, no breve período entre outubro de 2012 e abril de 2013.

O levantamento do Santander mostra que a última vez que o Brasil teve um período mais longo de taxas de juros nominais abaixo de 8% foi durante o segundo governo de Getúlio Vargas, entre 1951 e 1954. O juro baixo naquela época teve como pano de fundo uma combinação de câmbio fixo, num nível sobrevalorizado, com fortes controles de importação, o que permitiu durante algum tempo que o balanço de pagamentos ficasse sob controle e a dívida externa em níveis baixos.

O arranjo, porém, era insustentável. A escassez de insumos, provocada pelos controles de importação, pressionaram a inflação e, a partir de 1953, as tensões políticas e sociais (que desaguariam na crise do suicídio de Getúlio em 1954) levaram o governo a afrouxar a política monetária e fiscal. O resultado foi uma forte alta da inflação, que chegou a 21% ao ano na segunda metade da década de 50, tornando inviável manter as taxas de juros em um dígito.

É instrutivo o exercício, desenvolvido pelo Santander, de comparar a sustentabilidade das baixas taxas de juros nos momentos em que isso ocorreu desde a década de 50. De cara, como faz o relatório, são descartados os breves meses de 2012 e 2013 em que a Selic caiu “na marra” e de forma claramente incompatível com as condições inflacionárias.

Tomando-se, portanto, o período da primeira metade da década de 50 e o atual, o relatório assinado por Molan mostra que, tanto num momento como no outro, a inflação e o setor externo da economia estavam em “boa forma”, mas com uma diferença fundamental: naquela época, isso se deu com forte intervenção no câmbio e controle das importações, enquanto hoje a combinação de câmbio flutuante com o sistema de metas de inflação é uma âncora de qualidade muito superior.

Tudo estaria muito bem, portanto, se não fosse pelo fato de que em ambos os períodos o lado fiscal deixou (e deixa) a desejar, o que levou ao fim da fase de baixos juros nos anos 50 e poderia, caso o nó das contas públicas não seja resolvido, comprometer também a nova oportunidade agora. Outra coincidência entre os dois momentos históricos são as taxas de juros internacionais muito baixas.

O Santander prevê que a atual fase de juros baixos deve durar pelo menos até meados de 2019, levando a uma série de benefícios, como a ampliação dos canais de crédito para pequenas, médias e grandes empresas, e mais crédito imobiliário e investimentos.

Consolidar esses ganhos no médio e longo prazo depende, porém, de pôr a casa fiscal em ordem definitivamente. Mais uma vez o Brasil está chegando perto de um objetivo muito sonhado, o de ter taxas de juros civilizadas, e pode tropeçar de novo na incapacidade do governo de gastar de acordo com o que arrecada.

Doria come cru e quente - DORA KRAMER, Veja


REVISTA VEJA

Há um dito popular entre políticos de longa experiência para apontar aos estreantes o risco da afoiteza: “Cachorro novo não entra com pressa no mato”. Em outras palavras mais apropriadas aos seres dotados de razão humana, o apressado em geral come cru e quente o alimento que, com prudência e paciência, poderia desfrutar na temperatura e cocção adequadas de modo a obter satisfação plena, genuína e duradoura.

É o caso do prefeito de São Paulo, João Doria, cuja afobação em transformar o sucesso eleitoral de uma eleição local em antecipação de êxito em pleito presidencial, que já se mostrava arriscada ante a lógica da vida normal, foi confirmada pelo registro da opinião do público captada pelo instituto Datafolha, publicado no último dia 8: queda acentuada na avaliação de desempenho e grande rejeição às andanças eleitoreiras do prefeito em detrimento da atenção à cidade que o elegeu.

Nada de muito surpreendente, não obstante relevante dada a crescente adesão à ideia de que uma eleição tem efeito automático sobre a outra. Num primeiro momento, interpretou-se que a vitória de Doria no primeiro turno em 2016 corresponderia necessariamente à consolidação do governador Geraldo Alckmin como candidato a presidente em 2018.

O bom da realidade é que ela conta a história a seu modo. Faz pouquíssimo caso da vontade alheia, cobra tributo pesado à imprudência. Dependendo de seu humor, trata com fina ironia ambições desprovidas de lastro suficiente para uma sustentação perene. Mostra aos vivaldinos quem manda na situação: a crueza e a nudeza dos fatos.

Fato nu e cru é que o prefeito João Doria infringiu regras sagradas na política ao pretender exercer a atividade fazendo de conta que fazia outra coisa. Um parêntese aqui é necessário: o relevante não são as intenções futuras ou não de voto observadas na pesquisa, mas a avaliação presente de desempenho. Os paulistanos, integrantes do maior colégio eleitoral do país, não estão gostando de ver o prefeito aos rodopios nacionais e internacionais. Nesse aspecto, reafirmam a Doria o que já haviam dito a José Serra na rejeição ao uso da prefeitura como trampolim para a candidatura a presidente.

Ele não deu atenção aos sinais. Na embriaguez do êxito, encarnou o personagem antagônico a Lula da Silva herdando também seus defeitos: língua excessivamente solta, desrespeito ao adversário e menosprezo à história alheia e, principalmente, à História em si. Não incorporou, contudo, o tirocínio do petista em relação ao cultivo da própria base.

Doria fomentou a discórdia no já enfraquecido PSDB e despertou a ira dos “tradicionais” ao responder de maneira baixa a Alberto Goldman, um militante de escol. Deflagrador da cassação de José Dirceu ao ser o primeiro a contestar o discurso do ainda poderoso de volta à Câmara, filiado ao PCB quando isso era um perigo, combatente da ditadura com o mandato permanentemente em risco enquanto João Doria se criava a pires de leite. “Como uma gata”, nas sábias e precisas palavras de Nelson Rodrigues.