sexta-feira, 14 de julho de 2017

Bárbara Gancia Lucidez

Muita lucidez no texto da Bárbara Gancia:

A Operação Lava-Jato é amplamente positiva em vários aspectos: ela demarca uma nova fronteira na luta contra a corrupção; desnuda as maquinações entre o poder e o capital para se locupletar e, pela primeira vez, ameaça as máfias instaladas no poder.

Porém, isso não exclui a existência de um lado oculto da força, além daquele que hoje causa insônia no coronelato da antiga composto por Sarney, Renan, Jader, Aécio e dos Jucás da vida.

Explico: os EUA defendem seus interesses comerciais com unhas e dentes. E querem botar uma certa ordem no galinheiro para poder fazer negócios globalmente sem incorrer na quebra da lei norte-americana.

Lula e o seu PT, que tentavam formar bloco com países que não mantém boas relações com os EUA, vão diretamente de encontro aos interesses norte-americanos.

Quando a Odebrecht e congêneres resolveram competir nos mesmos importantes mercados em que os EUA atuam (a Odebrecht até ambicionou produzir armamentos, lembra?), os caras saíram em retaliação.

Dizer que Lula fez mal ou cometeu crime em utilizar o dinheiro do banco de fomento do Estado para conferir maior competitividade a grupos brasileiros, para que pudessem atuar de igual para igual no exterior, é preconceito de quem carece de horizonte. De gente que não quer mudar nada neste país ou que tem medo de perder a boquinha na pátria da improdutividade.

A aposta em Eike Batista pode ter se revelado um gigantesco furo n´água, mas não parece erro, muito ao contrário, querer equipar o país para atuar no mundo globalizado -em que a onipotente China já tomou uma larga dianteira.  

Pois que ninguém se iluda de que os norte-americanos acharam graça no grupo J&F ter aportado lá na terra deles, promovido um rapa nos principais frigoríficos americanos para se tornar o maior exportador de carnes processadas do mundo.

E eu sou tomada por riso incontido quando penso na preocupação dos americanos quanto à suposta interferência russa nas eleições deles. Como se os Estados Unidos não fizessem isso sistematicamente em tudo que é lugar em que possuem interesses...

Nesta equação, como poderíamos esquecer das escutas que as agências de inteligência dos EUA aplicaram em Dilma e na Merkel, né mesmo?

Agora junte tudo isso a outra constatação, para que a gente possa voltar e amarrar as ideias expostas do início ao fim deste texto:

Vira e mexe, a gente toma conhecimento de que agentes federais e das Forças Armadas, além de juízes (Barbosa e Moro sabidamente) e até procuradores, receberam convite para ministrar palestras e fazer cursos com bolsa integral em órgãos governamentais e centros de estudo nos EUA. As bolsas, invariavelmente, são patrocinadas pelo Departamento de Estado, agências de inteligência ou por institutos como os notórios Millenium e Catho.

Nos EUA, esses brasileiros aprendem métodos sofisticados e passam a atuar em consonância com organizações de escopo internacional que defendem a cartilha norte-americana.

É possível enxergar vantagem nos nossos servidores públicos receberem cursos de especialização e formação em centros de excelência no exterior. Sem dúvida.

Mas isto também significa estarmos à mercê de métodos que atentam contra a soberania nacional.

No dia de hoje, o ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da  Silva, foi condenado sem provas minimamente substanciadas a 9 anos de prisão por um juiz de primeira instância que meteu os pés pelas mãos em sua sentença e atolou na lama na explicação pela qual a prisão do condenado não seria decretada junto com a sentença.

Junte a estapafúrdia sentença dada a Lula -e aos 19 anos sem ocupar cargos públicos- o power point dos procuradores curitibanos, Moe, Larry e Curly, e à forma como se deu o impeachment de Dilma e a aliviada dada a Geddel e Aécio e, depois, diga-me se não existe uma força estranha para explicar muito do surrealismo que vem ocorrendo no país.

Por sinal, a quantas anda a investigação contra o ex-ministro muy amigo da Chevron e sua filha Verônica?

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Thoreau aos 200 - JOÃO PEREIRA COUTINHO, FSP


FOLHA DE SP - 11/07
Quem lê Henry David Thoreau? Passam amanhã 200 anos do seu nascimento. E os artigos da efeméride não são entusiastas. Thoreau parece "irrelevante", "anedótico", "adolescente". Para voltar ao início: quem lê Thoreau, hoje?

Resposta: eu. Poderia argumentar que a minha costela anarquista é a melhor da minha anatomia política –e uma fonte de equívocos para quem não entende direito o meu "conservadorismo".

Mas devo a Thoreau essa costela. Lembro-me de ler "Walden", pela primeira vez, em plena adolescência. Alguns dirão que "Walden" é, precisamente, um livro adolescente escrito para adolescentes. Ali temos o autor, na primeira pessoa do singular, a relatar dois anos e dois meses de vida no bosque. Afastado da "civilização", enfim, como um Rousseau americano.

A visão é superficial e ignora, pelo menos, duas coisas. A primeira é a beleza da prosa. Como são belas as manhãs em Thoreau –"a manhã traz de volta as eras heroicas" etc., cito de cor– e como são certeiras as suas observações mundanas. "Todos nos rimos das modas antigas", escreve ele, "e todos seguimos religiosamente as modas novas" (também cito de cor). É frase que fica gravada para sempre.

Por causa dele, aprendi a rir mais depressa das modas novas do que das antigas, o que me impediu de as seguir com um entusiasmo –agora, sim– adolescente. Falo de modas ideológicas ou indumentárias, tanto faz: o último grito não passa de um grito.

E também por causa dele, confissão pessoal, cheguei aos 41 sem nunca ter usado relógio. Somos escravos do tempo mas não precisamos exibir as correntes.

Mas leituras superficiais de Thoreau ignoram outro ponto: a escolha de viver junto ao lago Walden expressa um desejo nobre que define toda a sua obra. Qual? O desejo de ser deixado em paz.

Bem sei que, nas sociedades infantilizadas em que vivemos, exigimos da autoridade central uma companhia intrusiva. Não queremos o Estado nas suas funções básicas; exigimos um Estado máximo até para as coisas mínimas.

Na sua "A Desobediência Civil", o programa das festas é diferente para Thoreau: "o melhor governo é o que menos governa", diz ele, logo de início, na impossibilidade de ter governo nenhum.

O texto não se limita a uma condenação da escravidão e da guerra, promovida por um Estado imoral. Thoreau vai mais longe –e ocupa-se de questões pré-políticas que nunca verdadeiramente nos abandonam. Será que o Estado substitui a consciência individual? Ou esta pertence apenas aos homens, o que logicamente exclui um Estado moralista que determina como devemos viver ou morrer?

Cem anos antes das grandes carnificinas do século 20, Thoreau vislumbrou as consequências trágicas dessa transferência de responsabilidade moral do indivíduo para o Estado.

A primeira consequência é a atribuição de um poder abusivo a homens limitados e corrompíveis. A segunda é a transformação de uma sociedade de homens livres, moralmente livres, em uma organização de autômatos que se limitam a seguir ordens vindas de cima.

Quando escutamos as desculpas de Eichmann em Jerusalém, é impossível não lembrar as manhãs gloriosas de Thoreau.

O desejo de sermos deixados em paz é também o desejo de protegermos o nosso caráter.

Discórdias sobre o meu amigo? Várias. Não tenho da "civilização" a visão dantesca que ele cultiva. Digo mais: Thoreau só escreve como escreve porque ele é, acima de tudo, um homem civilizado.

Mas o essencial não mora aqui. Gosto de ler Thoreau nos momentos confusos, só para lembrar verdades límpidas como as águas do lago Walden.

A vida é minha. O tempo é escasso. As modas de hoje são gargalhadas futuras. Por vezes, a multidão que interessa é a multidão de um único homem. O poder político é necessário, mas não deixa de ser um mal necessário. E não assiste a nenhum político, a nenhum governo, a nenhum Estado, a condução da minha alma.

No bicentenário do nascimento, Thoreau simboliza a coragem da liberdade. Toda gente tem a palavra "liberdade" na boca. Mas raros são aqueles que possuem a coragem suficiente para a viver. Um adolescente? Engraçado. Não conheço autor mais exigente, mais indispensável –e mais adulto.

As reformas avançam, OESP editorial

A insegurança jurídica que paira sobre as relações de trabalho de milhões de brasileiros, sejam empregados, sejam empregadores, está com os dias contados. Precisamente, 120 dias a partir da sanção do presidente Michel Temer ao Projeto de Lei da Câmara (PLC) 38/2017, a chamada reforma trabalhista. Pelo contundente placar de 50 votos a favor e 26 contra, o Senado aprovou o projeto que moderniza mais de uma centena de dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943.
Trata-se de uma inequívoca vitória do governo federal, não só pelo fato de a aprovação da reforma trabalhista ter sido uma das prioridades da agenda de Michel Temer ao assumir a Presidência, em maio do ano passado, mas sobretudo pelo momento em que ela ocorre, mostrando que a capacidade de articulação política do presidente resiste em meio à mais grave crise de seu mandato.
Com aproximadamente 2,5 milhões de processos em tramitação, o Brasil detém o triste título de campeão mundial de passivos trabalhistas. É inegável que parte dessas ações é fruto da má-fé dos litigantes, tanto patrões que descumprem a lei no trato com seus funcionários como a desídia destes, que alimentam uma indústria de reclamações trabalhistas que só servem para inchar tribunais, onerar os contribuintes e obstar o desenvolvimento do País. Contudo, não é razoável supor que sejam todos contendores inescrupulosos. Grande parte dos recursos ao Poder Judiciário se dá pelo evidente descompasso entre as transformações ocorridas no mercado de trabalho nas últimas sete décadas e a vetusta legislação que, aparentemente, o pretende regular.
A aprovação da reforma trabalhista não levará o Brasil de volta ao tempo infame da escravidão. Ao contrário, as novas regras tiram o País do atraso e o inserem no século 21. No texto aprovado pelo Senado não há sequer um direito trabalhista consagrado que não tenha sido preservado em sua essência.
A reforma trará previsibilidade e segurança jurídica para usos e costumes que antes dependiam da boa vontade das partes para serem respeitados, como a divisão do período de férias, os acordos amigáveis para rescisão contratual – visando ao saque do FGTS – e a flexibilidade da jornada de trabalho. Passarão a ser regulamentados o chamado “trabalho remoto” – ou home office – e o trabalho intermitente.
Outra novidade alvissareira trazida pela reforma é o fim da contribuição sindical obrigatória. Como chamar de “contribuição” um pagamento que ao trabalhador não era dado recusar? A despeito da negociação em curso para extinção gradual do chamado “imposto sindical”, já não era sem tempo o fim da violência de tirar do trabalhador um dia de seu trabalho para financiar uma entidade de classe pela qual ele não se sente representado.
Seria injusto não atribuir parte do crédito pela aprovação da reforma às senadoras Gleisi Hoffmann (PT-PR), Fátima Bezerra (PT-RN), Regina Sousa (PT-PI), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) e Lídice da Mata (PSB-BA). A máscula patacoada que decidiram protagonizar – tomando de assalto a Mesa Diretora do Senado para impedir o andamento dos trabalhos da Casa – certamente serviu para convencer os colegas que porventura ainda estivessem indecisos a votar pela aprovação do projeto do governo.
A truculência travestida de “legítimo ato político”, aparentemente liderada por Gleisi Hoffmann – que a todo instante recebia instruções do presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) pelo telefone –, revela de modo cabal o desapreço que a oposição tem pela democracia. Aliás, a estratégia destrambelhada não foi sequer original. A deputada Luíza Erundina (PSOL-SP) é uma contumaz adepta da tática de prender a bola quando o jogo não lhe é favorável. Nos últimos meses, pelo menos em duas oportunidades “ocupou” a Mesa da Câmara.
Não obstante a violência da oposição, a aprovação da reforma trabalhista é um alento para o País. Espera-se a redução dos litígios judiciais, da informalidade e, mais importante, do desemprego, que hoje aflige 14 milhões de brasileiros.