quarta-feira, 7 de junho de 2017

Genealogia da distopia brasileira, Marcelo Rubens Paiva, O Estado de S. Paulo



As delações e os vazamentos trouxeram horror e ninguém vê uma saída







03 Junho 2017 | 03h00
Tentei listar alguns momentos que, como entorpecente, nos deram a sensação de euforia, em que acreditamos num futuro melhor. República e Abolição foram o começo do sonho brasileiro. Uma nação federativa de homens livres se formava sob a mesma bandeira, hino, língua, fronteiras, embevecida pelo positivismo de Comte.
Ganhamos uma Constituição democrática. A literatura ganhou academia. Jornais se multiplicaram. Cidades foram reurbanizadas. O telégrafo e as ferrovias aproximaram o Brasil. O progresso chegou? Surgiram as primeiras favelas. A polícia perseguia manifestações de cultura afro. Mulheres não votavam.
Começamos com militares que derrubaram a monarquia, traindo republicanos civis. Depois, uma elite do café com leite deu ar de aprimoramento à democracia da Primeira República. 
O progresso anunciado seduziu uma massa de imigrantes, que trazia cultura, tecnologia, diversidade, tradição e modernidade, pensamentos revolucionários, numa sociedade que ainda se mostrava racista, porém multirracial. O rádio uniu. O samba virou academia.
A cultura encontrava o trilho. Somos antropofágicos, definiu Oswald de Andrade. Folclore é erudição, provou para o mundo Villa-Lobos. Lévi-Strauss montou a USP e reabilitou nossa mitologia.
A ascensão de uma elite urbana, das indústrias e de um operariado organizado, exigiu um governo provisório, que criou um discutível Estado Novo, que, indiscutivelmente, regulamentou as leis trabalhistas, em que começou a se desenhar uma classe média. Caímos numa ditadura.
Derrubá-la virou utopia. Os anos dourados chegaram. O projeto de uma capital que integraria o País foi tocado. A arquitetura pegou Corbusier e acrescentou a paisagem brasileira de Burle Marx. O cinema novo inventou um novo cinema, exclusivamente brasileiro. Chega de imitações. 
O samba engoliu o jazz e regurgitou bossa nova. Escritores descobriram as regiões, veredas, o contraditório, exotismo baiano, seca, pampas, e se empenharam em denunciar as injustiças sociais. Arte é política. 
Uma poesia brasileira, Concreta, nasceu. Brasil exportava ideias renovadas, cultura. O Brasil cresceu 50 anos em cinco. Virava potência.
Juscelino prometeu construir dez mil quilômetros de rodovias. Fez 18 mil. A fabricação de alumínio subiu de 2.500 toneladas por ano em 1955 para 20 mil em 1960. O País produzia dois milhões de barris de petróleo. Quando deixou o governo, produzia 28 milhões.
Duplicou a produção de aço em cinco anos. Criou a indústria automobilística. Construiu 1.234 escolas, seis novas universidades, 14 institutos de pesquisa, três centros de estudos no setor de energia nuclear. 
O Brasil provocava extremos, incomodava. Ganhamos copas do mundo de futebol. Maria Esther, sete Grand Slam na categoria simples. O Brasil causava admiração. Oscar Niemeyer, Darcy Ribeiro, Sérgio Buarque, Celso Furtado, Paulo Freire, Florestan Fernandes e outros renovavam a ideia de país.
A turbulência política deu noutra ditadura. A utopia foi adiada: “Apesar de você, amanhã há de ser outro dia”. O Brasil ganhava três novos estilos musicais, MPB, tropicalismo, jovem guarda. As ferrovias viraram entulho. A Amazônia passou a ser ameaçada. Cubatão não respirava. 
O ideal do Brasil Grande criou um progresso desordenado, corrupto, promíscuo. O Estado passou a ser um negócio secreto e a intervir em toda economia. A máquina chegou ao campo, o homem do campo, nas novas favelas e periferias, com índios sem terras. 
A aldeia global alienou. A novela tirou as pessoas das ruas, dos teatros, livros. A cultura entrou em colapso.
Utopia virou de novo derrubar a ditadura. Depois dela, tudo seria um paraíso, a renda seria distribuída. Alguns tentaram as armas. Foram massacrados. Veio o pacto e a redemocratização em 1985.
Uma informática Made in Brazil, com industriais acomodados, cresceu, mas não se desenvolveu uma tecnologia nacional. Apenas no álcool e como fabricantes de armas e aviões de pequeno porte viramos referência. O melhor café do mundo passou a ser o colombiano. A saúde e educação foram pro brejo.
A utopia só se desenharia com uma nova Constituição. Chegou em 1988. A censura, enfim, acabou, quilombolas e terras indígenas, demarcadas, e os direitos das minorias, respeitados. A democracia é ampla. O debate está liberado. 
Em 1990, o Brasil abriu as portas do comércio exterior, acabando com décadas de isolamento. Em 1994, a moeda se estabilizou. Setores foram privatizados. Serviços de telefonia melhoraram. Os Correios e a desigualdade social pioraram. A violência urbana virou epidemia. O tráfico ganhou comandos.
Ascendeu uma nova burguesia: o novo-rico do carro importado. O desencanto viu uma cultura superficial, ruim, vingar. Está desenhado o começo da distopia. As ideologias morreram de overdose. A esquerda se uniu ao que havia de mais corruptor do mercado. Rasgou manuais e fez do Estado seu Banco Imobiliário. Os fins justificavam os meios, que faliram o País.
Distribuiu a renda, criando um consumo insano, falindo com as contas públicas e maquiando o déficit. Foi pego com dólar na cueca e conta no exterior.
O País continua dependente da agricultura, minério e carne. Não criou a própria ciência, a própria tecnologia. Passou a ser dependente dos preços das commodities. Nunca deixou de ser.
Podíamos virar uma Austrália, sonho brizolista, ou uma Coreia do Sul, sonho do BNDES com a política das Campeãs Nacionais. Viramos um país sem leme, com quase nenhum político confiável, numa democracia comandada por partidos que seguem o organograma do crime organizado. A esperança comprou com caixa 2 o medo. As delações e os vazamentos trouxeram horror.
Ninguém vê uma saída. Denegriram um projeto de Nação. Qualquer coisa é melhor do que o que temos. Errou Tiririca, palhaço eleito deputado federal em 2010, com votação recorde: “Vote no Tiririca. Pior do que tá não fica”. Ficou.

segunda-feira, 5 de junho de 2017

TSE retoma julgamento da chapa Dilma/Temer, Época Negócios


A partir desta terça-feira (6), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) retomará o julgamento da ação que pode levar o Brasil, mais uma vez, a ficar sem presidente.
O processo foi aberto pelo PSDB, pouco tempo após ser derrotado nas eleições de 2014, contra a campanha presidencial de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (PMDB), que venceu aquele pleito.
Após a abertura da ação, no entanto, o TSE aprovou por unanimidade, mas com ressalvas, as contas da campanha em dezembro de 2014. Mas, com o andamento da Operação Lava Jato e as denúncias de pagamento de "caixa-dois" à campanha, o caso foi reaberto em 2015 e voltou à pauta do TSE.
No dia 4 de abril, os ministros acompanharam a decisão de o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Herman Bejamin, de conceder mais prazo para as defesas de Dilma e Temer e de ouvir mais testemunhas no processo.
Entre aqueles que foram ouvidos, estão João Santana e Mônica Moura, marqueteiros da campanha presidencial e que fecharam um acordo de delação premiada com a Operação Lava Jato.
Qual a denúncia?
A denúncia em si analisa os crimes de abuso de poder econômico e político, recebimento de propina e se houve algum benefício à campanha por conta do esquema de corrupção que atingiu a Petrobras.
Durante o processo de recolhimento de informações, que durou pouco mais de um ano, diversos membros da Odebrecht confirmaram o pagamento de caixa-dois e o relator Herman Benjamin determinou diversas perícias e quebras de sigilo telefônico. Além disso, prestaram depoimentos três empresários de gráficas acusadas de receber dinheiro sem prestar serviços.
O pedido do PSDB ainda pede que a chapa derrotada, formada pelo senador Aécio Neves (PSDB) e pelo atual ministro das Relações Exteriores do governo Temer, Aloysio Nunes (PSDB), assuma a Presidência.
Quanto tempo vai durar? 
Foram marcadas quatro sessões para analisar o caso. A primeira ocorre amanhã às 19h, seguidas por sessões nos mesmos horários na quarta-feira (7) e na quinta-feira (8). Neste último dia, haverá uma sessão extraordinária a partir das 9h.
No entanto, uma decisão final pode ser adiada já nesta terça. Isso porque não está descartada a possibilidade de algum ministro pedir vista do processo, interrompendo-o por tempo indeterminado.
A possibilidade existe também pelo fato de dois ministros do TSE terem sido trocados desde abril, quando o processo começou a ser julgado.
Caso não haja o pedido de vista, o prazo também pode ser estendido de acordo com o tempo de debates de acusação e de defesa e da leitura das decisões de cada um dos juízes.
Para esta terça, caso tudo ocorra dentro do previsto, o ministro Herman Benjamin lerá o relatório com suas indicações de voto, de admissão de culpa ou não, e seguirá para o voto final.
Depois dele, votam na sequência os ministros Napoleão Nunes Maia, Admar Gonzaga, Tarcísio Vieira, Luiz Fux, Rosa Weber e Gilmar Mendes, presidente do TSE.
O que pode acontecer?
Uma das maiores discussões sobre o caso é se a chapa deve ser julgada em conjunto ou cada um dos candidatos de maneira separada. A jurisprudência do TSE informa que os dois devem ser julgados de maneira conjunta, mas os ministros podem optar por separar as condenações.
Se condenados, Dilma e Temer poderão ficar inelegíveis por um determinado período de tempo. O atual presidente já está inelegível por oito anos por conta de uma condenação do Tribunal Regional de São Paulo.
Para Dilma, o processo que causou seu impeachment não tirou seus direitos políticos. Caso Temer seja considerado culpado e afastado, a corte terá que decidir o que virá a seguir: se será uma eleição indireta, entre os membros do Congresso, ou haverá a convocação de eleições diretas.
Isso porque, apesar da Constituição informar que se os cargos de presidente e vice ficarem vagos na segunda metade do mandato, será feita uma eleição indireta, há uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) que pede eleições diretas em caso de vacância.
Além disso, na última semana, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê a realização de eleições diretas para presidente caso o Palácio do Planalto fique vago nos três primeiros de mandato - mas que ainda precisa de aprovação de Câmara e Senado.
No entanto, mesmo em caso de condenação, há a possibilidade de que as partes envolvidas recorram da decisão anunciada ao próprio TSE e depois ao STF.

domingo, 4 de junho de 2017

Governo diz que há recursos, mas faltam bons projetos de transportes, RF


02/06/2017 - Valor Econômico
Apesar das restrições orçamentárias, o financiamento para melhorias no transporte coletivo dispõe de recursos suficientes, mas faltam projetos bem estruturados no setor. "Temos dinheiro suficiente para fazer cinco, seis vezes o que estão fazendo hoje", disse ontem o secretário de mobilidade urbana do Ministério das Cidades, José Roberto Generoso, na abertura do seminário "Transporte Público Urbano: Desafios e Oportunidades", organizado pelo Valor.
Generoso informou que, nos últimos 12 meses, o setor recebeu investimentos de R$ 4,9 bilhões. Desse total, R$ 3,30 bilhões estão atrelados a financiamentos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e outros R$ 1,19 bilhão são do Orçamento Geral da União (OGU). Mais recursos não são liberados, segundo ele, por causa da má qualidade dos projetos. "Esse é o verdadeiro gargalo."
Muitas propostas levadas ao ministério, por exemplo, não estão integradas às de municípios vizinhos e a outras iniciativas do Estado, afirmou o secretário. Ele mostrou que, sem o uso do crédito oferecido ao setor, o conselho curador do FGTS tem reduzido a previsão de recursos. Neste ano, havia R$ 14 bilhões à disposição das obras de mobilidade, mas esse montante caiu para R$ 10 bilhões e o restante foi redirecionado para habitação. Simplesmente por falta de bons projetos. Em 2020, a previsão é de R$ 7 bilhões.
Na tentativa de suprir essa lacuna, a Caixa Econômica Federal está se estruturando para trabalhar com gestores públicos e com a iniciativa privada na formulação de projetos, segundo o vice-presidente de governo da instituição, Roberto Derziê. A ideia é oferecer assessoria técnica, jurídica, socioambiental, de engenharia e para a modelagem econômico-financeira dos empreendimentos. "Isso contribuirá para que os projetos possam ser licitados e saiam do papel. Queremos ser uma fonte perene e confiável de crédito", ressaltou o executivo.
Derziê disse que o sistema eletrônico de cobrança, hoje presente em 85% dos municípios com mais de 100 mil habitantes, facilita a estruturação de garantias para obter financiamentos, pois o banco passa a ter mais conhecimento sobre o fluxo de caixa das empresas. "A solução encontrada se sustenta nos recebíveis que giram na bilhetagem eletrônica. Se o fluxo da empresa passa pela Caixa, eu conheço o seu perfil, a sua capacidade de pagamento."
Um consenso entre autoridades e representantes do setor privado é que não se deve pensar necessariamente em empreendimentos complexos e caros, como BRTs. Às vezes, intervenções relativamente baratas - faixas exclusivas, sinalização, radares eletrônicos, recuos nas paradas de ônibus, abrigos com painel de informações - constituem soluções rápidas e efetivas para os usuários.
Viabilizar nova infraestrutura de mobilidade urbana, no entanto, é apenas parte da questão. Outro desafio diz respeito à operação e à manutenção dos sistemas. Generoso, do Ministério das Cidades, enfatizou que o custeio do transporte coletivo é um dos grandes problemas a ser enfrentado pelo segmento. "A situação é como a do hospital, em que você gasta cem para construir e outros cem por ano para manter", disse.
Uma ideia - nascida na Frente Nacional de Prefeitos e que hoje tramita no Congresso - é a criação de uma Cide sobre combustíveis com arrecadação voltada aos municípios e uso no transporte público. Estimativas da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) indicam o potencial de levantar R$ 11,9 bilhões se houver uma alíquota de 6%.
O diretor administrativo e institucional da NTU, Marcos Bicalho, vê a possibilidade de isso reduzir as tarifas em quase 30%. Assim, o impacto no IPCA com a taxação dos combustíveis seria mais do que compensada pelo desconto nas passagens de ônibus.