sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Adeus à MPB, adeus Carlos Sandroni, Gustavo Alonso, FSP

 

Encontrei-o pela última vez nas eleições do ano passado. Votamos na mesma zona eleitoral, no bairro do Poço da Panela, em Recife. Doce como sempre, Carlos Sandroni puxou conversa sobre amenidades e pepinos cotidianos da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), onde trabalhamos.

Sua delicadeza e ponderação impedia que tivesse inimizades na pós-graduação em música, da qual foi um dos fundadores. Eu era um dos seus vários colegas. Apesar de bem mais jovem, sempre fui tratado como um igual por ele, que era um dos mais importantes pesquisadores da música brasileira.

Homem de meia-idade com cabelo grisalho curto, usando camiseta preta, posando em frente a uma cortina branca translúcida com luz natural suave.
O músico, compositor, professor e pesquisador Carlos Sandroni - Divulgação/Facebook

Formado em Sociologia em 1981 pela PUC-RJ, Sandroni era violonista e compositor. Nos anos 1980, dividido entre a academia e a carreira artística, acompanhou artistas de renome da época, como sua irmã Clara Sandroni e a cantora Teca Calazans. Canções suas foram cantadas por Olivia Byington, Leny Andrade, Leila Pinheiro e Milton Nascimento. Não deixe de ouvir sua impagável "Pão Doce", regravada por Adriana Calcanhotto em 1990.

Sua dissertação de mestrado, "Mário Contra Macunaíma: Cultura e Política em Mário de Andrade", originalmente defendida em 1987, foi relançada em bonita edição ano passado. Neste livro foram seladas as diretrizes do Sandroni pesquisador de música popular.

Questionando a idéia de que Mário de Andrade seria mero conservador estético, um romântico apegado às raízes rurais brasileiras, Sandroni defendeu que havia em sua obra um projeto modernizador. Diferente dos vanguardismos do século 20, o Mário lido por Sandroni via a tradição rural nacional como um trampolim para a construção da moderna identidade brasileira. Tradição e modernidade não seriam antípodas, mas conciliáveis propulsores da cultura nacional andradiana.

Em 1997 Sandroni defendeu seu doutorado, que se tornou o clássico livro "Feitiço Decente: Transformações do Samba no Rio de Janeiro (1917-1933)". Numa época em que não havia internet, o pesquisador se esmerou em mergulhar nos arquivos, explorando as diferenças entre o que era chamado de samba no início do século e o samba que foi posteriormente abraçado pelo rádio e pela indústria do disco. Descreveu e analisou musicologicamente este padrão fonográfico que batizou de "paradigma do Estácio". Era uma referência ao bairro carioca cujo padrão musical se hegemonizou após décadas de batalhas estéticas entre músicos cariocas, tornando-se sinônimo de samba nacional.

Homem de cabelos grisalhos veste camiseta azul e toca violão clássico sentado em sofá de vime com almofada estampada. Fundo é parede clara sem decoração.
O músico, compositor, professor e pesquisador Carlos Sandroni - Reprodução/Carlos Sandroni no Youtube

Essas questões e o fato de ter se tornado professor da UFPE em 1998 o levaram a sedimentar a etnomusicologia no Brasil, ramo do estudo que investiga como diferentes comunidades produzem música, a vivenciam e a atribuem significados em seus contextos sociais. Foi fundador da Abet (Associação Brasileira de Etnomusicologia) em 2001, da qual foi o primeiro presidente.

Sandroni tinha olhos atentos à polissemia da cultura. Intelectual de poucos livros (apenas dois) e vários importantes capítulos de livros e artigos de revistas acadêmicas, nunca parou de tocar e cantar. Essa era uma das marcas de Sandroni: o pioneirismo acadêmico e a busca de um meio de campo vital entre academia e a cultura popular, entre a prática e a teoria.

Escrevia artigos de forma clara e direta, sem excessos teóricos frívolos, sempre com um ponto de vista que mantinha uma saudável curiosidade investigativa. Ele buscava entender as relações entre "alta" e "baixa" cultura, que muitas vezes se expressam em processos de patrimonialização das formas artísticas populares, seja através do abraço do Estado, ou através da incorporação via indústria da música. Com vistas a entender in loco o processo que estudava, criou a Associação Respeita Januário que, em parceria com o IPHAN, foi a co-responsável pela patrimonialização do samba de roda baiano e do forró nordestino.

Em seus artigos sobre o tema da patrimonialização, Sandroni atacava dois pontos de vista que limitavam o entendimento do assunto. O primeiro ele chamava de "demasiado ingênuo", aquele que supõe que o patrimônio popular já existe, plenamente criado por grupos locais, antes da chegada de quaisquer agentes de políticas públicas, pesquisadores ou mercado. O segundo ponto de vista, também criticado, ele batizou de "demasiado sagaz". É aquele olhar que via o patrimônio imaterial como algo imposto, uma armadilha da governamentalidade ou de empresários maldosos a comunidades puras e autóctones. Sempre otimista, Sandroni fugia da romantização da cultura popular e não diabolizava aqueles que buscavam dialogar com ela, fosse o Estado, pesquisadores ou o mercado.

Sandroni abordava seus objetos sempre com fartura de dados de pesquisa, na busca por compreender as relações complexas entre agentes oriundos de diferentes instâncias. Em artigo sobre o manguebeat, por exemplo, explicou como universitários e grupos de maracatu se encontraram e gravaram em grandes gravadoras, tendo repercussão nacional. Em obra sobre a patrimonialização do samba de roda baiano, mostrou os dilemas e as diferentes posturas de comunidades de sambistas do Recôncavo baiano diante dos pesquisadores do IPHAN.

Um dos seus mais instigantes artigos chama-se "Adeus a MPB", escrito em 2004 para o livro "Decantando a República", obra organizada pelos intelectuais Heloísa Starling, Berenice Cavalcanti e José Iasenberg. Nele, Sandroni mostrou como o termo "música popular" teve vários sentidos na nossa história. Na época de Mário de Andrade tinha um sentido associado ao folclore. Na época da ditadura militar o termo foi relido pela MPB, associando-se à ideia de povo e da resistência. No novo milênio, quando Sandroni escrevia, o sentido de música popular construído pela MPB parecia dar sinais de esgotamento, diante da ascensão de sertanejos, pagodeiros, funkeiros e cantores de axé desde a década anterior.

Sandroni começou sua carreira influenciado esteticamente pelos ídolos da MPB. Mas sabia separar sua faceta pública de músico e agente patrimonializador do pesquisador acadêmico. Dotado de pensamento original e autônomo, não era romântico, não tinha saudade tola de um passado ou de uma pureza popular que não existe por si. O que está em jogo no seu pensamento crítico é o lugar do povo brasileiro. "Adeus à MPB" é um lamento. Mas é também a gestação de um porvir e "diz respeito não apenas a música, mas também a nossos maltratados ideais republicanos" e a quem queremos ser enquanto nação, enquanto povo. Novos Brasis apontavam na reta. Novas audições seriam necessárias.

Em nossa última conversa, percebi um pequeno aparelho auditivo que ele começara a usar, bastante tecnológico. Sem nenhum sinal de mágoa com o que parecia ser o sinal da idade, conversamos sobre aquela experiência sônica, uma nova forma de viver a música e os sons. Não sabíamos que aquele era talvez um sintoma do tumor fulminante que o matou poucos meses depois, no último dia 28, aos 66 anos.

Adeus, Sandroni. Um grande professor-artista-pesquisador-colega deixa marcas que jamais são esquecidas.


Casal faz 'intercâmbio gospel' para mostrar diferenças entre igrejas evangélicas, Fsp

 Melina Cardoso

São Paulo

"Visitante seja bem-vindo, sua presença é um prazer". Se você é crente raiz, certamente já ouviu esse corinho quando alguém sinalizou estar pela primeira vez na igreja.

Existem muitos estilos à sua escolha: com parede preta, parede clara, com coral, com banda, arquitetura clássica ou mais moderna, igrejas históricas ou pentecostais.

Homem e mulher brancos posam lado a lado em estúdio com fundo preto e painel azul. Homem veste camisa cinza e mulher blusa branca com calça preta.
Pedro e Luiza mostram a pluralidade da igreja em seu canal @alegriaemdosedupla, no Instagram

Apesar de tantas diferenças, todas têm em comum a crença na Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo), na divindade de Jesus, confessam que a morte na cruz ocorreu por causa dos nossos pecados e que Cristo ressuscitou ao terceiro dia. Também acreditam que a salvação vem pela graça, mediante a fé e têm a Bíblia como Palavra de Deus (falo mais sobre isso no final deste texto, fique firme aí).

Pensando em viver novas experiências de fé e matar a curiosidade de seus seguidores, o casal Pedro Paulo Gomes, 25, e Luiza Martins, 24, decidiu gravar visitas a diferentes igrejas evangélicas. Apelidaram o quadro de "intercâmbio gospel".

Batista, Quadrangular, Metodista, Presbiteriana e Assembleia de Deus são alguns dos locais visitados. O critério é que o local reflita a essência da fé cristã.

Para viver a experiência de forma mais autêntica possível, eles não avisam as igrejas sobre a visita. "Nosso objetivo é mostrar aos seguidores a experiência que eles teriam ao conhecer aquela comunidade pela primeira vez", explica Luiza. "Para nós, a verdade das visitas é essencial, pois permite registrar a receptividade e o dia a dia da igreja de maneira genuína", observa.

Bacharéis em Direito, eles são convertidos desde 2023 e congregam na Igreja Episcopal Carismática do Brasil, em Recife (PE).

Segundo Pedro, a experiência tem ampliado a compreensão do Reino e possibilitado aprender com as virtudes de diferentes comunidades. "Conhecemos novos irmãos que amam a Deus em diversas tradições e reconhecemos a beleza existente na pluralidade do corpo", diz.

Para Pedro, é essencial que todo cristão esteja firmemente inserido em uma comunidade local, "pois é nela que ele poderá ser exortado, crescer na fé e frutificar", afirma. Contudo, manter o equilíbrio e, eventualmente, conhecer outras igrejas pode ser algo muito benéfico", completa o comunicador digital.

"Participar de um congresso ou evento em outra comunidade, por exemplo, permite enxergar o cristianismo para além dos limites da própria igreja local", afirma Luiza. Segundo ela, a troca também serve como um espelho para identificar aspectos a serem aprimorados em sua comunidade.

"Precisamos nos lembrar de que aquilo que nos une –o amor por Jesus e por Sua Palavra– deve ser maior do que aquilo que nos separa", diz Pedro, referindo-se às formas de adorar, a cor das paredes, usos e costumes ou o estilo de pregação.

Para o casal, o intercâmbio também pode ajudar quem, talvez, tenha se decepcionado com a igreja ou até encorajar aqueles que ainda não tenham descoberto uma comunidade à qual possam pertencer.


Dia da Reforma Protestante

Nesta sexta-feira (31) muitos evangélicos celebram os 508 anos da Reforma Protestante.

Em 1517, o monge Martinho Lutero (1483-1546) fixou 95 teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg (Alemanha), onde questionava, entre tantas coisas, a autoridade papal e o pagamento de indulgências pela Igreja Católica. Ele promoveu a ideia bíblica de que a salvação era alcançada pela fé e para isso, a Bíblia deveria ser lida por todos.

A partir deste movimento surgiram as igrejas protestantes. Lutero propôs cinco princípios teológicos que até hoje são a base das igrejas protestantes:

"Sola Scriptura" (somente a Escritura): somente a Bíblia é a palavra de Deus; "Sola Fide" (somente a Fé): somente pela fé em Jesus somos salvos; "Sola Gratia" (somente a graça): somente pela graça de Deus somos salvos; "Solus Christus" (somente Cristo): apenas Jesus é o caminho que leva o homem de volta a Deus e "Soli Deo Gloria" (somente a Deus a glória): toda glória pertence somente a Deus. Feliz dia da Reforma!


Cláudio Castro repete plano de Wilson Witzel para abater bandido - Frederico Vasconcelos, FSP

 

"Vamos botar fim na bandidagem", dizia o governador do Rio de Janeiro, anunciando uma operação da Polícia Civil a bordo do helicóptero onde um "atirador de elite" disparava tiros em direção a favelas.

O governador desse episódio não é Cláudio Castro (PL), mas um antecessor nos métodos: o ex-juiz federal e governador Wilson Witzel (PSC).

Os fatos ocorreram em 2019. Witzel era governador eleito do Rio. Foi afastado em 2021 e condenado em processo de impeachment por corrupção.

Homem de meia-idade com barba e cabelo curtos, vestindo terno escuro, camisa branca e gravata, com expressão séria e olhar direto.
Governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro participa de coletiva de imprensa sobre Operação Contenção na capital fluminense - Pablo Porciuncula - 28.out.25/AFP

Era considerado um aliado de Bolsonaro, que teria rompido quando o ex-juiz anunciou intenção de se candidatar à Presidência da República.

No Senadoresponsabilizou Bolsonaro pelas mortes na pandemia.

Cláudio Castro, que foi vice-governador de Witzel, considerou "um sucesso" a Operação Contenção contra o Comando Vermelho.

"Tirando a vida dos policiais, o resto da operação foi um sucesso", disse o governador. "De vítima, ontem, lá, só tivemos os policiais."

Witzel ameaçava a bandidagem, em Angra dos Reis: "Não sai de fuzil na rua, não. Troca por uma Bíblia. Se você sair [com um fuzil], nós vamos te matar".

Enquanto alimentava planos de graduação para atiradores durante voo e lançamentos de bombas em drones, Witzel visitava quartéis da PM e fazia flexões no chão. Demonstrações de força física, valores da caserna.

"Essa foi, de verdade, a maior operação policial da história do Rio de Janeiro, e eu espero que ela permaneça, porque o Rio precisa de operações como estas todos os dias", disse o senador Flávio Bolsonaro (PL), ao elogiar Castro.

Quando a prisão do pai inelegível ficou inescapável, o 01 apelou para a estratégia entreguista do 03: apontar aos gringos os alvos a serem bombardeados. Nos rios, na costa litorânea, na Amazônia e entre opositores no Congresso. No Judiciário, Alexandre de Moraes foi o primeiro a entrar na mira.

Na época das provocações de Witzel havia outro Bolsonaro por perto.

O ex-juiz federal Eduardo Cubas, então presidente da minúscula União Nacional dos Juízes Federais do Brasil, com sede em Goiás, concedeu uma medalha a Witzel pela "defesa dos direitos humanos".

Witzel foi denunciado à ONU e à OEA pelo recorde de mortes em operações policiais.

Ao lado do deputado federal Eduardo Bolsonaro, Cubas questionou a segurança das urnas eletrônicas em vídeo gravado diante da sede do Tribunal Superior Eleitoral. Aconteceu às vésperas das eleições de 2018.

O mito da urna eleitoral vulnerável a fraudes ajudou a eleger Jair Bolsonaro (PL) e estimulou o clima que levou aos atos golpistas do 8 de Janeiro.

Cubas adulou o comando do Exército. Apoiou a greve dos caminhoneiros. Foi aposentado compulsoriamente em 2024, em decisão unânime do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), um prêmio depois de cinco anos de chicanas.

Jogador de pôquer, campeão em disputas internacionais pela internet, Cubas sabia blefar e tinha cacife para contratar a defesa do advogado Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça.

A Operação Contenção superou o massacre do Carandiru, cujos policiais militares foram anistiados por Bolsonaro. O ex-presidente recebeu medalha pelo ato, iniciativa do governador bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Na ocasião, o governador paulista também homenageava a tropa do então secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, cuja política de defesa da sociedade considerava "falha procedimental" espancar cadeirante ou jogar suspeito de uma ponte.

Tarcísio distribuiu medalhas a presidentes do Tribunal de Justiça, ocupou a agenda institucional e os espaços da corte para promover a Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar).

O clima de terror no Rio foi instalado às vésperas do desfecho da ação penal contra o ex-presidente.

O processo poderá ser encerrado em dezembro, com o início da prisão de Bolsonaro ainda neste ano.

A macabra exibição de corpos ao longo de uma grande avenida, filmada no mesmo ângulo dos drones em que o Comando Vermelho despejava bombas, sugere um sinistro recado.

Não venham atrapalhar nossos negócios.