quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Sérgio Rodrigues - A careca, a peruca e um toque de Millôr, FSP

 Precisamos falar da falacrofobia, nome culto do ódio aos carecas. Relutei por anos em abordar o tema, sendo parte evidentemente interessada, como todo mundo está careca de saber –mas mesmo o emprego dessa expressão popular requer cuidado.

Em primeiro lugar, que palavra é essa, falacrofobia? De formação erudita –falacr(o), calvo, mais fobia, medo, aversão–, costuma ser usada apenas em referência ao pavor que o cidadão tem de perder o cabelo.

Não me passaria pela cabeça (opa) menosprezar o sofrimento inerente a essa condição. É provável que todo careca orgulhoso da história –de Yul Brynner a Michel Foucault, de Sean Connery a Alexandre de Moraes– tenha passado por esse estágio um dia, na fase inicial da queda de sua amada fiação queratinosa.

Um homem calvo, com pele clara, está sentado em uma cadeira, com as mãos unidas em frente ao rosto. Ele usa uma roupa formal, com uma camisa branca e uma gravata preta com listras verdes. O fundo é de madeira escura, e ele parece estar em um ambiente de tribunal ou sessão formal.
Alexandre de Moraes no julgamento da tentativa de golpe - Evaristo Sá/AFP

No entanto, passou da hora de ampliar o arco semântico da palavra. Falacrofobia é também o ódio que, consumada a hecatombe dos folículos, muitos cidadãos passam a devotar à sua imagem sem telha no espelho.

Ao se voltar dessa forma contra si mesmo, o indivíduo desprovido de pelo no coco que não ousa dizer seu nome torna-se traidor de sua condição e aliado daqueles setores sociais –aliás amplos– que a ela dedicam um escárnio risonho e manso.

Estamos falando do último dos preconceitos de aparência ainda não criminalizado –fato social cujo nome, mais uma vez, só pode ser falacrofobia.

Trata-se de um preconceito renitente, desencanado, que resiste aos galãs máquina zero multiplicados na paisagem cultural desde fins do século, como antes tirara de letra o sucesso da marchinha de Carnaval que garantia ser dos carecas que elas gostam mais.

Nas garras de uma autoimagem torturada e confusa, o indivíduo autofalacrofóbico que tem certo poder aquisitivo conta hoje com toda uma indústria, de remedinhos a implantes. A "cura careca" é normalizada em nossa sociedade.

Apesar disso, certos falacrofóbicos ainda se apegam àqueles artefatos primitivos conhecidos como perucas, cabeleiras naturais ou artificiais coladas na cabeça com o intuito de enganar o mundo –embora o mundo nunca se engane e saiba que cabeludo é uma coisa e perucudo, outra.

O português foi buscar a palavra peruca há muitos séculos no francês "perruque", que era um decalque do italiano "perucca" –que, no fim das contas, ninguém sabe de onde veio.

No julgamento de Bolsonaro e sua gangue, a luta antifalacrofóbica tem a oportunidade rara de despertar consciências para o valor de uma cabeça lustrosa, com sua linguagem pelada, em comparação com o dumping de juridiquices pilosas de uma peruca.

Um homem com cabelo grisalho e liso, usando uma toga preta e uma gravata azul, está sentado em uma cadeira vermelha. Ele está de perfil, olhando para o lado, com uma expressão séria. O fundo é neutro e claro, destacando a figura do homem.
Luiz Fux no julgamento no STF - Gabriela Biló/Folhapress

Uma vez, num debate público (sobre a crase!) que travei com Millôr Fernandes no Jornal do Brasil, observei que ele estava "careca de saber" alguma coisa, como eu também estava. Era o ano de 2002, eu estava com 40 anos e, se tinha mais cabelo do que tenho hoje, já os mantinha na disciplina da máquina. O grande artista careca respondeu com uma quadrinha:

"A triste certeza/ De que hoje estou de posse/ É que a minha calvície/ Nem ao menos é precoce."

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