Precisamos falar da falacrofobia, nome culto do ódio aos carecas. Relutei por anos em abordar o tema, sendo parte evidentemente interessada, como todo mundo está careca de saber –mas mesmo o emprego dessa expressão popular requer cuidado.
Em primeiro lugar, que palavra é essa, falacrofobia? De formação erudita –falacr(o), calvo, mais fobia, medo, aversão–, costuma ser usada apenas em referência ao pavor que o cidadão tem de perder o cabelo.
Não me passaria pela cabeça (opa) menosprezar o sofrimento inerente a essa condição. É provável que todo careca orgulhoso da história –de Yul Brynner a Michel Foucault, de Sean Connery a Alexandre de Moraes– tenha passado por esse estágio um dia, na fase inicial da queda de sua amada fiação queratinosa.
No entanto, passou da hora de ampliar o arco semântico da palavra. Falacrofobia é também o ódio que, consumada a hecatombe dos folículos, muitos cidadãos passam a devotar à sua imagem sem telha no espelho.
Ao se voltar dessa forma contra si mesmo, o indivíduo desprovido de pelo no coco que não ousa dizer seu nome torna-se traidor de sua condição e aliado daqueles setores sociais –aliás amplos– que a ela dedicam um escárnio risonho e manso.
Estamos falando do último dos preconceitos de aparência ainda não criminalizado –fato social cujo nome, mais uma vez, só pode ser falacrofobia.
Trata-se de um preconceito renitente, desencanado, que resiste aos galãs máquina zero multiplicados na paisagem cultural desde fins do século, como antes tirara de letra o sucesso da marchinha de Carnaval que garantia ser dos carecas que elas gostam mais.
Nas garras de uma autoimagem torturada e confusa, o indivíduo autofalacrofóbico que tem certo poder aquisitivo conta hoje com toda uma indústria, de remedinhos a implantes. A "cura careca" é normalizada em nossa sociedade.
Apesar disso, certos falacrofóbicos ainda se apegam àqueles artefatos primitivos conhecidos como perucas, cabeleiras naturais ou artificiais coladas na cabeça com o intuito de enganar o mundo –embora o mundo nunca se engane e saiba que cabeludo é uma coisa e perucudo, outra.
O português foi buscar a palavra peruca há muitos séculos no francês "perruque", que era um decalque do italiano "perucca" –que, no fim das contas, ninguém sabe de onde veio.
No julgamento de Bolsonaro e sua gangue, a luta antifalacrofóbica tem a oportunidade rara de despertar consciências para o valor de uma cabeça lustrosa, com sua linguagem pelada, em comparação com o dumping de juridiquices pilosas de uma peruca.
Uma vez, num debate público (sobre a crase!) que travei com Millôr Fernandes no Jornal do Brasil, observei que ele estava "careca de saber" alguma coisa, como eu também estava. Era o ano de 2002, eu estava com 40 anos e, se tinha mais cabelo do que tenho hoje, já os mantinha na disciplina da máquina. O grande artista careca respondeu com uma quadrinha:
"A triste certeza/ De que hoje estou de posse/ É que a minha calvície/ Nem ao menos é precoce."
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