segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Maior crime de Bolsonaro não está em julgamento, Marcelo Leite FSP

 A saída do armário liberal protagonizada por Tarcísio de Freitas foi o fato político tenebroso da semana. Ao prometer indulto a Jair Bolsonaro caso eleito presidente, o governador de São Paulo jura lealdade à camorra antivacina que condenou à morte 95 mil brasileiros na pandemia.


Diante da carnificina, o réu ser condenado por tentativa de golpe soa como encarcerar Al Capone por sonegação. Mas passe. Antes tarde, pelos motivos menores, do que nunca, pelas razões justas.

desconfiança com vacinas equivale à metástase de um tumor silencioso na imagem da ciência. Você já ouviu a conversa: uma hora não é para comer ovo, a fim de controlar o colesterol, depois está liberado; um pouco de álcool faz bem à saúde, e em seguida nenhuma quantidade de bebida é segura.

Um homem está em pé, olhando para frente, em um ambiente externo. Ele usa uma camisa polo amarela e calças escuras. Ao fundo, há uma planta verde e uma parede clara. Sombras de uma grade são visíveis na imagem, criando um efeito de listras sobre o homem.
O ex-presidente Jair Bolsonaro na garagem de sua casa - Pedro Ladeira - 03.set.2025/Folhapress

Sim, a pesquisa científica tem idas e vindas, vaivém causado pelo surgimento de novos dados ou, não raro, pelo excesso de entusiasmo jornalístico com estudos parciais que anulam uns aos outros. É preciso estômago forte e ceticismo afiado para digerir o coquetel sensacionalista.

Não existe controvérsia quanto à segurança de vacinas. Pode haver efeitos adversos, como reações alérgicas a componentes, mas são casos raros, que não desequilibram a relação custo-benefício.

A desconfiança começou com a mãe de todas as fake news antivacina: um artigo de 1998 no periódico The Lancet, liderado por Andrew Wakefield, associando a vacina tríplice MMR (sarampo, caxumba e rubéola) com autismo. O trabalho foi cancelado 12 anos depois, mas o estrago estava feito.

Uma ideologia natureba espalhou como rastilho de pólvora a resistência a vacinas. Os antivaxxers menos tresloucados não se apoiam mais em estudos marginais e apelam ao libertarianismo, doença infantil do liberalismo, para atacar não tanto os imunizantes, mas a obrigatoriedade de vacinar crianças.

Para proteger a saúde pública, entretanto, cobertura vacinal ampla é decisiva por impedir ou dificultar a circulação de patógenos como o coronavírus. Quanto mais ela recua, maior o risco de surtos, como já se vê nos casos de sarampo nos EUA.

O secretário (ministro) de Saúde de Donald Trump, Robert Kennedy Jr, chegou ao posto liderando uma cruzada contra vacinas. Empossou sicários em postos chave da administração, mas trombou com a coragem da titular dos respeitados Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), Susan Monarez.


Quando ela se recusou a endossar suas iniciativas contra a obrigatoriedade de vacinas e pesquisas com imunizantes, Bobby tentou demiti-la. Monarez acionou a Justiça, e o confronto deflagrou pedidos solidários de demissão em diretorias dos CDC e uma petição pela saída do secretário que já tem mais de mil assinaturas.

Quem achar que nada disso tem a ver com o Brasil que atente para a deputada federal Júlia Zanatta (PL-SC). Do mesmo partido de Bolsonaro, ela apresentou dois projetos pestilentos de lei, um que autoriza a recusa de vacinação e outro instituindo o crime de "coação vacinal".

Vai que, na insensatez do Congresso hoje, esses retrocessos terminem votados. Vai que ela vire ministra do indultador Tarcísio. Não será surpresa; será uma tragédia.

Nenhum comentário: