Eliane Araujo
O debate econômico brasileiro ainda carrega forte desconfiança em relação ao papel do Estado nos investimentos. A visão das políticas de austeridade sustenta que o gasto público inibe o privado, aumenta a dívida pública, encarece o crédito e reduz oportunidades. A história, no entanto, mostra o contrário: quando o setor público investe, o privado acompanha.
Entre 1947 e 1980, a expansão dos investimentos estatais coincidiu com o avanço do investimento privado e com altas taxas de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). Já a retração que se seguiu às crises dos anos 1980 e às políticas de austeridade da década seguinte enfraqueceu a capacidade do país de sustentar um ciclo de desenvolvimento compatível com o crescimento mundial, ou mesmo da América Latina.
Quando o investimento público voltou a crescer, a partir de 2003, o setor privado respondeu positivamente. Porém essa dinâmica foi interrompida pela crise político-institucional de 2014 e, sobretudo, pela adoção do teto de gastos e o retorno da austeridade fiscal, que estrangulou a capacidade de planejamento e investimento do Estado.
Desde 2023, observa-se uma retomada, com programas que recolocam o investimento público como peça estratégica para impulsionar a economia e orientar uma agenda de modernização produtiva e sustentável.
A experiência brasileira mostra de forma inconteste que o investimento público não afasta o privado, ao contrário, o impulsiona. Ao assumir riscos de longo prazo em infraestrutura, energia e tecnologia, o Estado abre caminho para que empresas privadas explorem novas oportunidades. Foi assim que o Brasil, em diferentes momentos de sua história, conseguiu acelerar o crescimento econômico e tornar mais complexa e competitiva sua matriz produtiva.
Na tradição keynesiana, trata-se de uma relação de complementaridade: o gasto público amplia a demanda por meio de seu efeito multiplicador e, ao mesmo tempo, reduz custos a longo prazo, eleva a produtividade da economia e cria um ambiente mais favorável para a expansão da iniciativa privada.
Hoje, o desafio é maior. A transição ecológica exige investimentos vultosos em setores de retorno incerto e horizonte longo, exatamente aqueles em que o mercado, comprometido com retorno em espaço curto de tempo, sozinho não atua. Nesse cenário, as empresas estatais brasileiras são peça-chave. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) tem papel decisivo no financiamento da infraestrutura verde; a Petrobras investe em biocombustíveis e captura de carbono; a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) desenvolve soluções agrícolas de baixo carbono; a Ceitec aposta em semicondutores para veículos elétricos; e os bancos públicos ampliam crédito para energias limpas.
Ignorar esse potencial transformador seria condenar o país a perder a corrida global pela economia verde e a se prender a um modelo ultrapassado de desenvolvimento. Em contraste com a lógica restritiva da austeridade, o investimento público pode alinhar crescimento econômico, inclusão social e preservação ambiental, além de abrir espaço para maior participação do setor privado em áreas estratégicas.
Num mundo em que a urgência climática não permite vacilos, o Brasil, com forte presença de empresas públicas eficientes e com grandes contribuições ao desenvolvimento nacional, precisa escolher: ficar prisioneiro de políticas anacrônicas, limitado a seguir interesses impostos de fora, ou ser protagonista de um novo ciclo de desenvolvimento sustentável?

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