Alex Castro
O escritor uruguaio Mario Levrero lançou seu primeiro livro em 1970 e passou 20 anos escrevendo ficção científica, thrillers, fantasias. Em seus anos finais, deu uma guinada autoficcional e compôs uma "trilogia vazia" problematizando o próprio ato de escrever.
Primeiro em 1991, com "Diário de um Canalha", ainda inédito no Brasil. Em 1996, veio "O Discurso Vazio", que sai agora pela Companhia das Letras. E "O Romance Luminoso", de 2005, foi considerado sua obra-prima e saiu aqui pela mesma editora em 2018.
Em 2000, Levrero ganhou uma bolsa da Fundação Guggenheim para terminar um romance que vinha escrevendo há mais de década. Ao longo do ano seguinte, completamente paralisado e sempre distraído, Levrero não conseguiu completar a obra.
O livro que saiu postumamente com o título "O Romance Luminoso" é a reunião dos capítulos já escritos, em que Levrero narra, dia a dia, todas as suas tentativas fracassadas de dar continuidade ao trabalho: um romance sobre o fracasso em escrever um romance.
Os gestores da Guggenheim não poderiam nem alegar surpresa. Quatro anos antes, com "O Discurso Vazio", Levrero já havia ensaiado seu método. Neste livro, ele embarca em uma terapia grafológica de escrever algumas páginas por dia, a mão, desenhando cada letra com todo o cuidado.
Mas o que escrever? Se o assunto for interessante, há a tendência de se empolgar pelo tema e acelerar a caligrafia. Então, para se concentrar ao máximo no desenho de cada letra, Levrero se obriga a escrever sobre o nada, um "discurso vazio".
Críticos dizem que Levrero tem escrita libertadora, que livra a literatura da tirania de ter que dizer algo. Mas à pessoa que lê, libertada de qualquer assunto interessante, só resta afundar no mesmo tédio que acometia o autor.
É o equivalente literário de ficar mexendo no celular, pulando de uma distração para outra, em um scroll infinito: o livro tem como única grande vantagem o fato de que termina.
Em entrevista à Folha, o próprio filho de Levrero, Nicolás Varlotta, disse preferir os primeiros livros do pai, os imaginativos. "Ele teve anos muito produtivos no início. Depois que ganha essa bolsa, parece que tem a sensação de que perdeu a inspiração e se propõe então a refletir sobre isso."
Nada mais compreensível. Qual cronista nunca cometeu uma crônica sobre a impossibilidade da crônica?
Uma obra de arte literária é uma experiência —a única maneira de julgar sua qualidade é se entregando a ela nos seus próprios termos. Não se critica a falta de humor em uma obra que nunca se pretendeu humorística, por exemplo. Nesse sentido, "O Discurso Vazio" realiza exatamente o que propôs: o diário de um escritor tentando escrever sobre o nada.
Nem sempre é fácil um livro encontrar suas leitoras ideais. No caso de "O Discurso Vazio", não. Quem julga que pode ser interessante a experiência proposta por Levrero provavelmente apreciará a viagem. Já quem pressente que o livro será de um tédio intolerável e desesperador faz bem em não ler.
Para ambos os tipos, fica a recomendação de "Solenoide", do romeno Mircea Cartarescu, lançado no Brasil pela editora Mundaréu no ano passado. A sinopse é bastante parecida –escritor fracassado rejeita a literatura e escreve um diário sobre o nada–, mas o romance é infinitamente, talvez milagrosamente, melhor realizado.
Em ginástica olímpica, uma apresentação é julgada em termos de dificuldade e execução. Se a dificuldade é alta, ou seja, se a atleta ambicionou movimentos desafiadores, ela pode até falhar na execução e ainda assim obter uma nota boa. Por outro lado, se a atleta se propõe movimentos banais e fáceis, o mérito de realizá-los à perfeição conta pouco.
Não é problema que um autor se proponha escrever sobre seu fracasso em escrever um livro. Mas também não é problema se o leitor escolher investir seu dinheiro suado e seu tempo escasso em autores que, de fato, conseguiram escrever os livros que tentaram escrever.
Nenhum comentário:
Postar um comentário