sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Seguindo Botão para deixar de seguir colunista Salvar artigos Recurso exclusivo para assinantes assine ou faça login João Pereira Coutinho Não me comovo com velhos censores pedindo clemência aos novos, FSP

 "Discurso de ódio", diziam eles, pedindo leis e prisão para opiniões ofensivas. Eu sorria. Não saberão esses iluminados que "discurso de ódio" depende sempre de quem está olhando?

Esse é o ponto. Existem duas defesas típicas da liberdade de expressão. Primeira: a liberdade de expressão é importante porque respeita a autonomia do sujeito. Segunda: a liberdade de expressão é importante porque permite o confronto de ideias e, com sorte, a obtenção da verdade.

Um homem com cabelo escuro e barba, vestindo um terno preto e gravata, está posando para a câmera em um evento. O fundo é escuro com texto em vermelho que diz 'LIVE IN FRONT OF A STUDIO AUDIENCE'.
O apresentador Jimmy Kimmel em agosto de 2019 - Chris Delmas/AFP

Vejo méritos em ambas, mas com limitações. Nem tudo o que brota da minha autonomia tem valor social. E a verdade, como lembrava John Stuart Mill, pressupõe um verdadeiro confronto de ideias —coisa rara entre idiotas.

Existe uma terceira defesa, porém, que podemos chamar de teoria cínica: a liberdade de expressão é importante porque você nunca sabe em que ponto da hierarquia do poder vai estar no futuro. É um raciocínio à la John Rawls aplicado ao tema.

Rawls propunha que imaginássemos uma sociedade sem saber que lugar ocuparíamos nela —ricos ou pobres, maioria ou minoria, instruídos ou ignorantes. Atrás desse "véu de ignorância", concluiu, o mais racional seria escolher regras que protegessem os mais vulneráveis, porque poderíamos ser um deles na grande loteria social.

O mesmo vale para a liberdade de expressão: enquanto está no poder, você pode sonhar em censurar os outros; mas, se amanhã for minoria, vai desejar desesperadamente as proteções que hoje tenta destruir.

É o caso: Donald Trump vai esmagando a liberdade de expressão nos Estados Unidos porque também não tolera o "discurso de ódio". E o cancelamento, tão defendido por alguns progressistas americanos, é agora usado contra eles, nos mesmos termos e com o mesmo fanatismo. A suspensão de Jimmy Kimmel ilustra o que digo.

Pessoalmente, como sempre abominei a cultura de cancelamento dos progressistas, também abomino este previsível ajuste de contas pelos republicanos.

Mas não me comovo com a choradeira dos velhos censores que pedem clemência aos novos. Achavam o quê? A censura, quando nasce, é para todos.


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