quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Panapanás, espichas, greis e outros bichos, Sergio Rodrigues FSP

 Uma das diversões de quem era viciado nos prazeres da língua portuguesa em meus tempos de escola era decorar uma lista de coletivos de animais. Ainda existirá isso? Talvez sim, mas duvido que na mesma escala. O menor investimento em decoreba é uma das (poucas?) boas notícias da educação neste século.

Seja como for, a graça da brincadeira estava na raridade daquelas palavras, que nenhum de nós jamais tinha visto serem empregadas na vida real, nem mesmo de gozação ou por gente pernóstica.

Dou como exemplo os coletivos de ovelha, segundo o dicionário Houaiss: alavão, alfeire, armentio, armento, fato, grei, malhada, ovelhada, oviário, ovil, pegulhal, rebanho, redil.

Rebanho, normal. Ovelhada soa intuitivo. Mas alfeire? Pegulhal? Redil? O sabor exótico daqueles vocábulos, que remetiam a épocas e lugares perdidos na memória, nos dava uma ilusão de saber profundo.

Ao mesmo tempo, despertava uma curiosidade marota. Por que diabos aqueles pedantes do passado não chamavam seu montão de ovelhas de, sei lá, montão de ovelhas?

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Já naquele tempo estava bem espalhado na língua brasileira o uso preferencial, no papel de coletivo, da palavra "porrada" e suas variantes, como "porrão" ou "porrilhão". O contraste entre a informalidade de uma porrada de ovelhas e o traje a rigor de um alavão ou armento era justamente o que nos fazia rir.

Havia também as palavras que traziam embutidas em si, autossuficiente, a vocação para o cômico. Derivado do tupi, o termo panapaná ou panapanã parecia talhado para despertar sorrisos até em quem não soubesse tratar-se de um coletivo de borboletas.

Invasão de gafanhotos na fronteira Brasil-Argentina - 23.jun.20/Governo da Província de Córdoba

O mesmo podia ser dito de outros substantivos coletivos rebuscados como badanagem (de cavalos), formigame (de formigas, bidu!) e espicha ou maloca (de peixes). Ainda bem que existiam também palavras sensatas como cavalaria, formigueiro e cardume. Para não falar de bando, que acabava servindo meio que para tudo.

Mas não eram só os bichos. Havia coletivos esquisitos de coisas como montanhas (serrania), árvores (bosquete, opa!) e até pregos (pregaria). Se fôssemos levar às últimas consequências aquela mania de criar um nome para o agrupamento de cada unidade classificatória do universo, aonde iríamos parar?

Qual seria a palavra para um conjunto de mágoas? De pudins? De dentistas? De ex-amantes? De tiozões do zap? De deputados federais? A criatividade é livre, mas pelo menos no último caso o dicionário traz respostas prontas.

Depois que a Câmara dos Deputados se assumiu majoritariamente como organização criminosa, votando a aprovação da PEC da Blindagem –também conhecida como PEC da Impunidade–, podemos recorrer ao Houaiss e sua lista de coletivos de bandidos.

Alcateia, bandidagem, bando, caterva, choldra, choldraboldra (que delícia!), corja, farândola, horda, maloca, malta, matula, matulagem, pandilha, quadrilha, récova, récua, súcia –dessas 18 palavras, deve ter alguma que sirva.

E se não tiver, não custa invadir o reino das metáforas. O coletivo de ratos é rataria. O de gafanhotos, praga.

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