A família do sr. Roberto (nome fictício) está preocupada. Apesar da boa saúde aos 87 anos, ele não demonstra interesse por atividades sociais. Quando convidado, prefere ficar sozinho. Estaria deprimido? Seria sinal de alguma doença silenciosa?
O idoso é discreto ao explicar suas escolhas, mas já confidenciou: "Gosto de ficar quieto, me sinto em paz. Até gostaria de conversar profundamente de vez em quando, mas não essa superficialidade que encontro por aí".
A história do sr. Roberto remete aos estudos do psicólogo social Erik Erikson (1902–1994). Ele percebeu que sua teoria sobre a velhice não abrangia plenamente o que ele e outros idosos experimentavam após os 80 anos: uma paz profunda, redescoberta da espiritualidade e cultivo da sabedoria. Ele e sua esposa chamaram esse estágio de gerotranscendência (gero = idoso; transcendência = além do mundo material), como descreveram no livro "O Nono Estágio" (Artes Médicas).
O sueco Lars Tornstam (1943–2016), pioneiro da gerontologia social, reforçou essa ideia. Para ele, a gerotranscendência retira o envelhecimento da visão puramente materialista e racional, que foca apenas no declínio. A satisfação com a vida pode, inclusive, aumentar com a abertura para dimensões cósmicas e espirituais. Surge, também, o desejo por solitude —a boa solidão.
Em outras palavras, idosos como o sr. Roberto não estão se isolando de forma patológica, mas se abrindo a outras dimensões da existência. Quem desenvolve a gerotranscendência experimenta um sentimento de comunhão... com o universo.
Em culturas ancestrais, esses anciãos são respeitados e ouvidos. Suas vidas se tornam pontes entre o presente e a eternidade. Já nossa sociedade, movida pelo "novo e rápido", tende a infantilizar os idosos, tratando-os como pessoas que devem ser apenas cuidadas e distraídas —um mercado lucrativo para alguns.
Idosos em gerotranscendência também lidam melhor com a morte. O sr. Roberto, com discrição, já comentou estar curioso sobre a passagem para "outra dimensão": "Estou curioso. Acho que vou viver coisas bem interessantes."
Essa expectativa pode soar como consolo ingênuo para quem está preso a uma visão materialista da realidade. Mas, como aponta o psiquiatra Alexander Moreira-Almeida, trata-se de uma questão de cosmovisão. Nossa herança racionalista tem limites para abarcar a transcendência.
Para muitos leitores, a gerotranscendência pode parecer uma teoria aplicável apenas a idosos saudáveis. No entanto, artigo recente no American Journal of Geriatric Psychiatry mostra outro lado. Nele, a médica Helen Lavretsky relata a experiência do psicólogo Neil Schuitevoerder, de 69 anos, que convive com os efeitos severos da doença de Parkinson. Apesar dos desafios físicos e emocionais, ele relata vivenciar estados diários de felicidade.
Entre essas dimensões paradoxais, a vida constrói pontes inesperadas. Talvez esse seja o caso de uma breve anotação de Sigmund Freud, cuja morte, em 1939, relembramos neste 23 de setembro. Um ano antes, já bastante debilitado, ele escreveu sobre o alcance da mística: "Mística é a obscura autopercepção de si mesmo fora do reino do Eu [e] do Id."
Hoje, podemos entender que Freud falava a partir da gerotranscendência. O psicanalista Eduardo Gastelumendi comenta: "Acredito que Freud está sugerindo que podemos nos perceber, mesmo obscuramente, como existindo de alguma maneira não apenas antes de nossa vida pessoal, mas também fora de nós mesmos —por mais estranho e infamiliar que isso possa parecer."
A vida segue surpreendendo —a nós, e também ao velho Freud.
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