Ser condenado a ficar sem trabalhar recebendo vencimentos mensais de milhares de reais é o sonho de muitos brasileiros. Daí que a aposentadoria compulsória, punição comumente dada a juízes que cometem faltas graves, se tornou símbolo da impunidade assegurada a magistrados no país.
A percepção não está errada, mas o quadro é mais complexo. Nenhum legislador em sã consciência estabeleceria aposentadoria compulsória como castigo. Em teoria, ela seria uma dentre um conjunto de ações que o Estado deveria usar contra juízes suspeitos de improbidades.
A aposentadoria compulsória seria a primeira linha de defesa do poder público, já que permite de forma rápida e descomplicada, por ser procedimento administrativo, privar o magistrado de continuar a delinquir —note-se que um dos crimes investigados é a venda de sentenças.
À medida deveria seguir-se uma ação judicial. Confirmada a culpabilidade, viriam o desligamento da carreira e do salário e até uma pena de prisão. Tal provisão é uma das garantias conferidas a carreiras de Estado, que não deveriam ficar à mercê de procedimentos administrativos.
O problema é que essas ações judiciais com trânsito em julgado só muito raramente se materializam. Levantamento da Folha, com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e de 15 dos 27 Tribunais de Justiça, mostrou que só 1% do total de punições a juízes e desembargadores entre 2006 e 2025 foram demissões.
Com a ressalva de que o cenário é incompleto porque nem todos os TJs responderam ao jornal, a maioria das sanções (67%) são mais brandas, como advertência e censura. A aposentadoria compulsória representa 31%. Desde 2006, só sete magistrados foram demitidos por falta grave.
A impunidade, portanto, é real e resulta da mãe de todas as impunidades: o fato de que os processos abertos no Brasil quase nunca são concluídos.
A questão está sendo debatida no âmbito da reforma administrativa. Cogita-se acabar com a aposentadoria compulsória para juízes suspeitos de falta grave e admitir a demissão por procedimento administrativo no CNJ —não mais após decisão judicial com trânsito em julgado.
Melhor do que a situação atual, que pode ser definida como escárnio. Mas não há como deixar de observar que a mudança representaria enfraquecimento das garantias das carreiras de Estado, que, ao menos em teoria, são mais uma proteção à sociedade do que a servidores individuais —em teoria, é bom frisar.
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