quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Se não aprendemos com os erros do passado, vamos aprender com o quê?, Rui Tavares, FSP

 Já quase no fim da leitura do seu voto favorável à condenação de Jair Bolsonaro e outros réus, o relator Alexandre de Moraes levou-nos para um exercício de comparação histórica, levando-nos a imaginar como seria a aplicação do direito atual brasileiro a acontecimentos históricos passados e o que sucederia se os acontecimentos presentes fossem julgados de acordo com a lei que (ainda) não existia no passado.

A conclusão é que a lei de agora só existe por causa do que aconteceu antes; se ela não for aplicada, o futuro será igual ao passado.

A imagem mostra uma grande bandeira do Brasil estendida no chão, com pessoas ao redor vestindo roupas nas cores verde e amarelo. A sombra de uma mão é projetada sobre a bandeira, formando um gesto de 'ok'. O ambiente parece ser de uma manifestação ou evento público.
Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro em manifestação a favor do político, na avenida Paulista, em São Paulo - Jorge Silva - 3.ago.25/Reuters

Costuma-se dizer que os historiadores imaginam o passado e se lembram do futuro. Mas o mesmo se passa com todas as pessoas e também com os coletivos humanos. O resgate do passado exige um esforço de integrar as memórias para delas fazer sentido numa narrativa; e o uso da memória serve-nos para prever situações no futuro que queremos evitar ou desejamos repetir.

Assim também uma república, uma democracia, um país se perguntam permanentemente: o que fizemos no passado, em que erramos e acertamos, e como podemos fazer para que no futuro possamos continuar os mesmos, mas fazendo diferente?

Na verdade, esta questão tem sido a central da nossa última década, década e meia. Temos vivido sob dois impulsos contraditórios. Por um lado, a ideia de que devemos aprender com os erros do passado. Por outro, a ideia de que a história não se repete. Ambas são verdade, em sentidos diferentes, ético o primeiro, ontológico o segundo. Mas se levados em sentido absoluto eles se contradizem e nos deixam numa aporia: para quê aprender com os erros do passado se a história não se repete?

Daí a discussão aparentemente interminável sobre se estamos assistindo ou não ao regresso do fascismo. Para aqueles que dizem que temos de aprender com os erros do passado, parece evidente que o termo "fascismo" deve ser entendido como designação genérica de uma das patologias históricas que afetam as democracias.

Para os que afirmam que a história não se repete, haverá sempre uma razão para não aceitar que os fenômenos de hoje sejam fascismo, em sentido restrito. Se ficarmos à espera de que os fascistas de hoje usem um chapéu com penacho, isso provavelmente nos impedirá sempre de reconhecer o seu regresso. Tudo o resto, porém, vai regressando: o culto da violência e da irracionalidade, a formação de milícias físicas ou digitais, a idolatria do chefe e a sede da concentração de poder, até o fascínio pela ditadura e a prática do genocídio. De fato, a história não se repete… naquilo que é irrelevante.

Como dizia o meu professor António Hespanha, nos raros momentos em que moralizava sobre a história: eles não eram mais estúpidos do que nós. No passado, algumas das piores desgraças da humanidade foram justificadas pelos melhores políticos, negociadas pelos melhores diplomatas, lideradas pelos melhores generais.

Da mesma forma, nós não somos mais inteligentes do que eles. Temos apenas uma vantagem: a de podermos imaginar o seu passado, ao passo que eles não se lembraram do nosso futuro. Usemos a vantagem que temos. Se não formos aprender com a história, vamos aprender com o quê?


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