segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Delegada da Lava Jato que se aposentou aos 50 é somente a caricatura de um problema- OESP

 Notícia de presente

Nunca imaginei virar colunista de jornal. Mas estudei previdência. Estude a previdência brasileira e jamais lhe faltará trabalho. Ou pelo menos assunto.

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Hoje quero falar sobre a aposentadoria da Erika Marena, a conhecida delegada da Lava Jato, que foi interpretada pela Flávia Alessandra. Sim, ela se aposentou. Aos 50 anos, com 100% da maior remuneração.

Mas, Pedro, mesmo depois da reforma da Previdência? Sim.

A reforma deixou a aposentadoria de delegadas bem abaixo da de empregadas domésticas, se considerarmos o BPC a sua aposentadoria. Em média é pago aos 67 anos e é preciso ser pobre. A idade mínima é 65, mesmo pra mulheres.

É a opção dos trabalhadores excluídos que não somam anos de carteira assinada suficientes para terem sua aposentadoria chamada de aposentadoria. Não à toa, a maioria é mulher. São 60% dos idosos do BPC.

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O Congresso deixou na reforma a aposentadoria das delegadas em 55 anos.

O STF decidiu agora que isso é inconstitucional e ofende o princípio da igualdade. Faz sentido, o leitor pode pensar que 55 está bem abaixo de 65, da aposentadoria das mulheres mais pobres e que vivem menos. Embora também não faça sentido, porque o leitor pode pensar que o STF só derruba emendas constitucionais se violam cláusulas pétreas — como se ensinava antigamente nos manuais de direito constitucional.

Mas o Supremo não entendeu que a desigualdade aconteceria porque 55 anos fosse pouco, mas sim porque era muito. Mandou baixar para 52. Ou 50, durante a transição da reforma. Acatou o argumento da associação de delegados: foi anti-isonômico o tratamento dado às delegadas, já que elas não ganharam desconto na idade em relação aos delegados, que seria uma característica do resto do sistema.

Na verdade, poucos países diferenciam idade de homens e mulheres, muito menos em 3 anos. O Brasil mesmo não faz, vide o BPC, que exige 65 anos tanto para o homem negro quanto para a mulher negra.

A idade das delegadas agora ficou abaixo até da nordestina na aposentadoria rural, que é 55 anos. É insuportável a captura do discurso de igualdade para cristalizar privilégios da elite.

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A delegada da Lava Jato, claro, é somente uma caricatura do problema e usufrui do que lhe é de direito. No método da SPE, o subsídio implícito é de cerca de R$ 5 milhões para uma delegada que se aposente aos 50 anos.

Mulheres paranaenses vivem mais do que homens suíços.

Não sei o que Erika Marena irá fazer agora. Já Flávia Alessandra anunciou um novo projeto: uma plataforma de beleza e saúde chamada Meu Ritual.

“Sou inquieta. Geminiana, né?”

Foto do autor
Opinião por Pedro Fernando Nery

Professor de economia do IDP. Autor do livro "Extremos - Um Mapa para Entender as Desigualdades no Brasil"

Raciocínio evoluiu por causa de discussões, HÉLIO SCHWARTSMAN, FSP

 


Num artigo impactante, que vira do avesso alguns dos pressupostos da filosofia e da psicologia evolucionista, os pesquisadores franceses Hugo Mercier (Universidade da Pensilvânia) e Dan Sperber (Instituto Jean Nicod) sustentam que a razão humana evoluiu, não para aumentar nosso conhecimento, mas para nos fazer triunfar em debates.
Desde alguns gregos, mas especialmente com René Descartes (1596-1650), consolidou-se a ideia de que a razão é um instrumento pessoal para nos aproximar da verdade e tomar as melhores decisões possíveis. "Penso, logo existo" é a divisa que celebrizou o pensador francês.
Se esse esquema é exato, como explicar que o pensamento humano erre tanto? Como espécie, fracassamos nos mais elementares testes de lógica, não conseguimos compreender noções básicas de estatística e nascemos com uma série de vieses cognitivos que conspiram contra abordagens racionais.
A situação não melhora quando quando abandonamos o reino das abstrações para entrar no terreno do interesse pessoal. Vários estudos têm mostrado que a maioria das pessoas comete verdadeiros desatinos lógico-financeiros ao administrar seus fundos de pensão.
Mercier e Sperber afirmam que é possível explicar esse e outros paradoxos se deixarmos de lado a noção clássica para adotar o que chamam de teoria argumentativa. Apresentam uma convincente massa de estudos e evidências em favor de sua tese.
A ideia básica é que a capacidade de raciocinar é um fenômeno social e não individual, cujo objetivo é persuadir nossos semelhantes e fazer com que sejamos cautelosos quando outros tentam nos convencer de algo.

SOLUÇÕES
A teoria, dizem os autores, não só faz sentido evolutivo como ainda resolve uma série de problemas que há muito desafiavam a psicologia.
O mais importante deles é o chamado viés de confirmação, que pode ser definido como "buscar ou interpretar evidências de maneira parcial, para acomodar crenças, expectativas ou teorias preexistentes". O fenômeno está na base daquela mania irritante de políticos de só responder o que lhes interessa.
O viés de confirmação é ainda uma das razões de persistência no erro, mesmo quando ele nos prejudica.
Temos dificuldade para processar informações que contrariam nossas convicções. Em suas versões extremas, ele produz pseudociências, fé em religiões e sistemas políticos e também teorias da conspiração.
Sob o modelo clássico, o viés de confirmação é uma falha de raciocínio mais ou menos inexplicável.
Mas, se a razão foi selecionada para nos fazer vencer em debates, então faz sentido que eu busque apenas provas em favor da minha tese, e não contra ela.
Adotada a lógica da produção de argumentos, o que era erro se torna um dos pontos fortes da teoria.

FENÔMENO SOCIAL
O modelo tem, evidentemente, implicações fortes. A mais evidente delas é que a razão só funciona bem como fenômeno social. Se pensarmos sozinhos, vamos muito provavelmente chafurdar cada vez mais fundo em nossas próprias intuições.
Mas, se a utilizarmos no contexto de discussões, aumentam bastante as chances de, como grupo, nos dar bem. Ainda que nem sempre, por vezes as pessoas se deixam convencer por evidências.
Trabalhos mostram que, quando submetidas a situações nas quais é preciso chegar a uma resposta correta (testes matemáticos ou conceituais), pessoas atuando sozinhas se saem mal, acertando em torno de 10% das respostas (Evans, 1989).
Quando têm de solucionar os mesmos problemas em grupo, o índice de acerto vai para 80%. É o chamado efeito do bônus de assembleia.

Hélio Schwartsman - Razões para ser bolsonarista, FSP

 Dentro de mais alguns dias, conheceremos os votos dos ministros do STF encarregados de julgar Jair Bolsonaro e a pena imposta ao ex-presidente. O preocupante é que, por mais bem fundamentada que venha a ser a condenação, parcela não desprezível do eleitorado a considerará ilegítima.

No plano objetivo e abstraindo quaisquer considerações jurídicas, é zero a dúvida de que Bolsonaro atentou contra a democracia. Apenas tentar produzir razões "legais" para não entregar o poder após ter perdido uma eleição, algo que ele admite que fez, já viola as regras do jogo institucional. A essência da democracia é justamente fazer com que governantes que perdem eleições deixem o poder sem resistir.

Um homem está em pé, usando uma camisa azul e calças escuras, enquanto abre um portão de metal. Ao fundo, há um carro preto estacionado e algumas bicicletas. O ambiente parece ser uma residência, com um gramado na frente.
O ex-presidente Jair Bolsonaro em sua casa - Gabriela Biló - 27.ago.2025/Folhapress

Ainda que o ex-presidente achasse que a eleição foi marcada por irregularidades, não caberia a um candidato decretar isso. No mais, é difícil defender a ideia de que houve algum tipo de fraude contra o grupo político do ex-presidente quando se considera que vários governadores bolsonaristas foram eleitos e que seu partido fez a maior bancada da Câmara dos Deputados.

A pergunta que fica, então, é como milhões de brasileiros, que até prova em contrário não são doidos, ainda defendem Bolsonaro. A melhor hipótese que me ocorre para explicar isso é a levantada por Hugo Mercier e Dan Sperber, a cujo trabalho sempre aludo aqui. Para a dupla, a razão não evoluiu para nos tornar capazes de apurar fatos objetivos e encontrar verdades (ainda que possa em certas situações fazer isso), mas para nos capacitar a vencer debates e ficar bem diante do grupo.

Hoje, com as redes sociais, cada um carrega seu próprio grupo no bolso e com ele interage o tempo todo, o que leva à multiplicação dos reforços positivos que o indivíduo recebe cada vez que se mostra leal aos consensos de seus pares. O resultado desse processo é a cristalização e até a radicalização das posições do grupo.

Punir os golpistas é uma necessidade para desestimular ataques futuros, mas não deve mudar muito o quadro de polarização afetiva que divide o país.