quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Gelo e gim - Truman Capote bebeu tanto quanto escreveu ,FSP

 Não fosse o fígado, o escritor Truman Capote teria feito cem anos no último dia 30. Viveu 59 anos como quis, com seus prós, efervescentes, e os inevitáveis contras.

"Do tamanho de Napoleão", com a gravata borboleta torta, um desleixo cuidadosamente preparado, variava de regime etílico, até porque passou por clínicas de reabilitação, mas nos dias alegres costumava beber um martíni duplo antes do almoço, um durante e um stinger depois. Isso dava a medida do que vinha pela tarde e noite —nunca dormia sem tomar uns goles de uísque. Dizia: "Sou alcoólatra. Drogadicto. Homossexual. E gênio".

Truman Capote no escritório da editora Random House em abril de 1969
Truman Capote no escritório da editora Random House, em abril de 1969 - William E. Sauro/The New York Times

Frequentemente andava com uma garrafa de J&B, a qual misturava com uma variedade colorida de calmantes e estupefacientes —a depender do momento. Isso não impediu que escrevesse o livro inaugural do chamado jornalismo literário, o espantoso "A Sangue Frio" ("A imaginação, é claro, pode abrir qualquer porta —vire a chave e deixe o terror entrar.")

Era um leitor atlético: corria pelas páginas de cinco livros por semana —inclinava-se por Proust, Flaubert e Turgueniev. Era igualmente exigente ao escrever, ao que chamava "um ato de fé". Numa entrevista, disse: "A escrita segue leis de perspectiva, luz e sombras, como a pintura ou a música. Se você nasceu conhecendo essas leis, ótimo. Se não, é bom aprendê-las. E então rearranjá-las a gosto".

É quase uma receita de coquetel. Na série "Feud" há muitos deles, quadro a quadro. Em uma cena, surge uma bandeja de dry martínis. É uma epifania. As taças são filmadas como se fossem raios de Sol depois de dias na solitária. Quando são servidos, ao som de um plangente violoncelo, a câmera lenta e a fotografia ligeiramente borrada dão o tom do idílio.

Num outro momento, Capote (Tom Hollander) ouve as lamúrias de Babe (Naomi Watts), linda socialite e sua melhor amiga. O marido a traía e, despreocupado, deixava rastros humilhantes de sua traição. A prescrição imediata do escritor é um copo de uísque e um barbitúrico de efeito garantido, o qual, ajoelhado, tira de uma caixinha de pílulas que mais parece conter joias. É como se pedisse a ela que se casasse momentaneamente com o sono reparador.

O conto de fadas não tem final feliz. Capote se aproveita de tudo o que ouve nas fofocas com as amigas da alta-roda, as quais chama de "cisnes" —em inglês, swans, quase um anagrama de wasps (brancas, anglo-saxãs e protestantes). Escreve capítulos de um livro, "Answered Prayers" ("Súplicas Atendidas"), em que reproduz ferinamente o conteúdo das conversas que teve em restaurantes exclusivos, encontros e festas. E publica um deles na revista Esquire. O pior: mal disfarça a verdadeira identidade dos personagens.

Audrey Hepburn em 'Bonequinha de Luxo' - Reprodução

Era então o escritor mais famoso dos EUA. Além de "A Sangue Frio", publicara também "Bonequinha de Luxo", transformado em filme de sucesso (1961). Luminosa, Audrey Hepburn faz a acompanhante de luxo Holly Golightly. Sem medo de ressacas, alegre e saltitante, ela bebe manhattans, coquetéis de champanhe, white angels (gim e vodca) e mississippi punches. Este vem da região em que Capote nasceu —Nova Orleans.

MISSISSIPPI PUNCH

60 ml de conhaque

30 ml de rum

30 ml de bourbon

15 ml de suco de limão siciliano

15 ml de xarope de açúcar (2:1)

Bata bem os ingredientes com gelo e coe para uma taça collins com gelo. Finalize com uma rodela de limão.

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