A infraestrutura que atende consumidores residenciais de energia elétrica é mais cara do que a que atende os grandes consumidores. Num país socialmente equilibrado, as tarifas poderiam refletir apenas essa diferença técnica. Não no Brasil. Aqui a conta de luz precisa capturar a incapacidade de pagamento das famílias mais humildes via "tarifa social", de menor valor.
Idealmente, a ajuda deveria ser custeada pelos contribuintes, via impostos. Em vez disso, onera a conta de luz dos demais consumidores, via subsídios cruzados. Porém essa é a mais aceitável das transferências de renda que ocorrem no escurinho do setor elétrico.
Quase todas as demais não deveriam existir. Algumas tinham boa justificativa quando foram criadas, anos atrás, mas já deveriam ter sido extintas. São mantidas graças aos lobbies que atuam no Congresso. Pior: novos benefícios para quem não precisa têm sido inseridos na legislação, à custa dos consumidores comuns.
Não se trata de iniciativas para diminuir o custo da eletricidade, e sim de regras sobre quem paga o quê. Ou seja, como se trata de um "jogo de soma zero", cada bondade a beneficiar uma determinada categoria de consumidores ou agentes do setor resulta numa maldade imposta aos demais consumidores e agentes.
Por exemplo, há muitos anos as indústrias que produzem sua própria energia, chamadas de autoprodutoras, não pagam encargos setoriais. O que é correto. Errado, mas não ilegal, é o recente e "esperto" modelo de arranjo societário que garante a mesma isenção a empresas que não geram um único kWh. Também errado, no sentido da injusta alocação dos custos sistêmicos, mas não ilegal, é a energia solar por assinatura que beneficia consumidores que nem sequer sabem o que é uma placa fotovoltaica.
Nesse ambiente de "puxar a brasa para a sua sardinha", o setor elétrico vem se desestruturando num movimento suicida chamado de "espiral da morte". Essencialmente, o custo sistêmico vai se concentrando injustamente nas contas de luz da parcela dos consumidores comuns, sem real representação no Congresso. Para eles, a conta sobe mais rapidamente do que a inflação. Alguns não conseguem pagar e aderem ao furto ou fraude, o que causa aumento da conta dos adimplentes.
Parte desses é também empurrada para a ilegalidade, e a espiral inicia uma nova rodada. Pelo andar da carruagem, vai continuar girando, girando, até que não tenha mais ninguém apto a pagar o custo sistêmico. Aí o colapso será inevitável.
Para evitar esse trágico fim, convém seguir o conselho de Stanislaw Ponte Preta: "Restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos!". Para o caso concreto, significaria estender os descontos dos custos sistêmicos associados às fontes incentivadas —eólica e solar, tanto a centralizada quanto a distribuída— para todos os consumidores, indistintamente. Se fossem removidas as divisórias dos cercadinhos VIP que separam as categorias de consumidores e todos ficassem submetidos às mesmas regras, o custo sistêmico continuaria existindo, mas seria mais simples alocá-lo a todos.
Num país em que é difícil terminar com a "meia-entrada", talvez a solução seja garantir "meia-entrada" para todos.
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