domingo, 13 de outubro de 2024

Reinaldo José Lopes-A ascensão da eugenia nerdola, FSP

  EDIÇÃO IMPRESSA

Caso o leitor ainda não tenha percebido, ideias que em tempos de antanho seriam descritas como conversa de doido varrido andam se amalgamando nas cabeças de alguns figurões do Vale do Silício, como Elon Musk e Peter Thiel.

São coisas que ainda não assumiram a feição de uma ideologia coerente, e talvez nunca o façam. Ainda assim, eu arriscaria usar a expressão "eugenia para nerdola ver" como descrição provisória do que eles andam mirabolando, seja no ex-Twitter, seja em jantarzinhos com figurões do Partido Republicano.

Ilustração com a foto de Elon Musk e a marca da rede social X - Nicolas Tucat - 27.set.2024/AFP/AFP

O ingrediente principal é a crença na própria superioridade genética. Portadores de DNA privilegiado (feito eles, é claro) deveriam se dedicar a produzir mais filhos, ainda mais considerando que "o Ocidente" (outro termo que esse povo adora) estaria tomado por feminismo e ideologias LGBTQIA+ que derrubaram a natalidade. Aliás, sabia que foi por isso que Roma caiu? É o que Musk acha, ao menos.

O reverso dessa moeda é a crença (e/ou o uso político da crença) na chamada "Great Replacement" ou Grande Substituição, o suposto plano das "elites liberais" para substituir brancos europeus e seus descendentes na América do Norte e na Oceania por imigrantes de pele escura. E tome mais analogias descabidas com a chegada dos bárbaros às fronteiras do Império Romano.

A eugenia nerdola também afirma estar em guerra com a morte e com os limites que nos são impostos pelo funcionamento dos ecossistemas planetários. Bilionários como Thiel e Jeff Bezos, da Amazon, estão gastando os tubos com pesquisas biomédicas dedicadas a derrotar os mecanismos moleculares do envelhecimento. Alguns falam abertamente em viver para sempre. E, se for possível aproveitar a imortalidade em outros planetas do Sistema Solar —colonizados, logicamente, pela iniciativa privada—, tanto melhor.

Pouco importa que quase todo esse programa distópico seja impraticável ou delírio puro. Ideias têm consequências, ainda mais quando apoiadas pelas carteiras mais gordas do globo. E vai ser preciso resistência renhida, tanto intelectual quanto prática, para impedir que a eugenia nerdola se transforme no novo senso comum.

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