O Prêmio Nobel de Economia foi para três pesquisadores que buscaram compreender como a distribuição de poder político e econômico afeta a trajetória de desenvolvimento dos países. Historicamente, grupos com maior poder econômico conseguem capturar o Estado, perpetuando a desigualdade ao fortalecer a estrutura de incentivos que os favorece.
A consequência da captura do governo em sociedades muito desiguais é que grupos sem poder político são frequentemente vítimas de ações arbitrárias, especialmente sobre o seu patrimônio. Instituições econômicas "extrativas", portanto, inibem investimento e crescimento da renda no longo prazo.
Talvez não seja novidade para muitos brasileiros descobrir que desigualdade afeta instituições políticas e oportunidades econômicas. No entanto, a principal contribuição dos autores para esse conhecido debate foi incorporar métodos quantitativos para resolver problemas de longa data nas ciências sociais.
Por exemplo, o texto mais famoso do trio apresenta o argumento de que diferentes formas de colonização explicam por que certos países desenvolveram instituições extrativas ou inclusivas ao longo do tempo, o que explicaria a divergência na riqueza das nações. A diferença para a famosa dicotomia colônia de exploração e de povoamento é que Acemoglu, Johnson e Robinson se propõem a enfrentar metodologicamente o fato que europeus podem ter migrado para regiões com maior potencial econômico. Sendo assim, a relação não seria instituições/crescimento, mas crescimento/instituições.
Para contornar esse problema, eles partem do fato de que os europeus, a turma das "boas instituições", tinham maior probabilidade de migrar em grande quantidade para locais onde havia menor risco de morrer de doenças. Em regiões onde a mortalidade era alta, a permanência só era economicamente viável por meio da exploração de escravizados em grandes plantações. Ao longo do tempo, o efeito do clima se dissipou e o que restou foram as instituições. Problema resolvido.
Na verdade, não. Dificilmente algum problema em ciências sociais estará resolvido, se tornando uma questão onde não existe mais espaço para o debate. Existe aqui uma série de potenciais problemas. Além do questionamento sobre a confiabilidade de fontes históricas de mortalidade em países colonizados nos séculos 16 e 17, é importante saber se esses documentos de fato existem.
No caso do influente artigo, dos 64 países na amostra, 36 não possuem informação sobre mortalidade. Os autores usam a informação de outros países com ambientes epidemiológicos semelhantes. Além disso, para alguns países da América Latina, os dados de mortalidade incluem apenas informações sobre missionários que acabaram não retornando ao seu local de origem. Não temos ideia da mortalidade de outros imigrantes.
Dados esses problemas, devemos avisar Estocolmo? Dificilmente a resposta da maioria do mundo acadêmico seria de objeção ao prêmio. Primeiro, porque a contribuição desses autores foi muito além desse trabalho.
Ao pautar a forma como devemos estudar desenvolvimento de longo prazo, Acemoglu, Johnson e Robinson estimularam outras pessoas a avançarem o nosso conhecimento sobre como sociedades podem ficar presas em um conjunto de regras e incentivos que favorecem apenas uma fração da população. Além disso, a inovação metodológica tornou o processo muito mais transparente.
Afinal, nós sabemos que existem problemas na base de dados da taxa de mortalidade porque o argumento dos autores pode ser reanalisado e potencialmente questionado. Como verificar a hipótese de colônia de exploração ou de povoamento de outra forma?
Por último, devemos lembrar que os trabalhos de Robert Fogel, outro autor que ganhou o Nobel por seus estudos em história econômica, também foram questionados. Os seus estudos sobre escravidão e o impacto das ferrovias no crescimento dos Estados Unidos não são mais considerados a fronteira do conhecimento.
Mesmo assim, ninguém questiona que ele foi responsável por abrir diversos caminhos que melhoraram nosso conhecimento sobre temas centrais do desenvolvimento econômico. Que o debate continue.
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