[RESUMO] Juca Kfouri relembra passagens com o amigo Washington Olivetto, que morreu no dia 13, aos 73 anos. Criador de campanhas antológicas, o publicitário nunca se contentou em apenas vender produtos. Inquieto, irônico, perfeccionista que não temia reconhecer e corrigir erros, curioso sobre tudo e sobre todos, Olivetto deixou marca profunda na vida cultural brasileira das últimas décadas.
Escrever mais o quê? O que acrescentar a tudo que você leu e ouviu sobre Washington Olivetto nos últimos dias? Tratá-lo como o Pelé da publicidade é digno de jornalistas sem criatividade. Tenha santa paciência!
Talvez melhor teria sido dizer que ele é o Woody Allen da propaganda, porque fez simplesmente o óbvio —e nada é mais difícil do que fazer o óbvio.
Mas não pense que a vida de Olivetto é caso, ou case, apenas de sucesso. Nada disso. Ele também conviveu com frustrações, não atingiu metas com as quais sonhou.
Por exemplo: quando criança, queria ser jogador de basquete quando crescesse. Como não cresceu, estacionou em 1,71 m, sobrou tentar a vida como publicitário. Aí, cansou de fazer cestas de três pontos —Michael Jordan da publicidade? Não.
Embora a modéstia nunca tenha sido uma de suas inúmeras qualidades, se tivesse que optar entre o gênio do basquete estadunidense e outro, brasileiro, ficaria com Wlamir Marques, porque, além de bicampeão mundial, Marques jogou no Corinthians.
Ah, como falar de Olivetto sem falar do Corinthians, ele descendente de italianos, gesticulador como os italianos, niente torcedor do Palmeiras?
Quem apontava a aparente contradição, ouvia a resposta de bate-pronto: "O Corinthians nasceu quatro anos antes do Palmeiras, fundado, entre outros, também por italianos, e seu primeiro presidente, Miguel Battaglia, era italiano. Até nisso o Corinthians tem primazia sobre o Palmeiras, além de ter dois mundiais e o Palmeiras não ter mundial".
Falava e jogava a mão direita para lá, a esquerda para cá e seguia o bonde.
Falou-se de modéstia? Pois em 1988, em entrevista para a revista Playboy, daquelas de deixar o entrevistado nu como a moça da capa, disse ser "um dos cinco melhores publicitários do mundo" —e mostrou tantos prêmios que o entrevistador teve de concordar.
Disse mais: "Guardadas as devidas proporções, penso que é isso mesmo", quando perguntado se cabiam as comparações com Pelé, Oscar Niemeyer, Tom Jobim e outros brasileiros internacionalmente famosos como estava acostumado a ouvir.
Olivetto descobriu que o importante é o cartão, não as flores. Juntou a admiração pelo pai vendedor com a paixão pela escrita e tratou de vender ao escrever, ou, se preferir, de escrever para vender. Magistralmente.
Quando Silvio Santos o chamou para ficar com a conta da antiga TVS, o SBT, ao apresentá-lo na convenção da emissora, o viu abrir sua fala assim: "Bem, depois do animador, vem o desanimador". Ganhou a conta e criou o slogan: "SBT: liderança absoluta do segundo lugar".
"O primeiro sutiã a gente nunca esquece", "É possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade" —em matéria de frases feitas, poucos fizeram tantas, perfeitas. Ele se recusava a apenas vender, buscava vender com requinte, entrar no reino da cultura popular.
Que ninguém tentasse dizer a Olivetto o que ele deveria fazer. Sequestrado por 53 dias, cismou que deveria convocar a imprensa para uma entrevista nem bem tinha dormido em sua casa. "Espera um pouco, dê um tempo, para fazer uma manifestação mais bem pensada", ouviu de seus conselheiros mais próximos, pequeno grupo formado para negociar com os sequestradores.
Irritado, decidiu: "Vou falar agora para nunca mais ter de tocar no assunto". Assim fez e saiu-se muito bem.
Ao ter a conta de uma empresa de cosméticos, bolou o filme em que uma jovem feiazinha, de cara lavada, começa a maquiagem em frente ao espelho. À medida que se maquia, ela se transforma numa mulher que não passaria vergonha em festa alguma. Então olha para a câmera e diz: "Se eu fiquei assim, imagine você, que é lindíssima".
Como Caetano Veloso, Chico Buarque ou Gilberto Gil, Olivetto sempre permitiu o aflorar da sensibilidade feminina, sem a qual, por sinal, não teria feito o filme do primeiro sutiã.
Ele adorava falar de si mesmo quase na mesma proporção em que era capaz de rir de si mesmo.
Por sua cerimônia de cremação passaram todas as pessoas possíveis e imagináveis: estrelas do mundo publicitário e jornalístico, ex-atletas, astros da música popular, verdadeiro desfile de celebridades ali no papel de admiradores, de fãs, de órfãos.
Cada um com uma história melhor que a outra vivida com ele ou por causa dele, até porque ajudar os outros era uma de suas especialidades, desempenhadas discretamente só para contrariar o estilo sempre expansivo.
Previsível, depois das palavras do padre, o hino do Corinthians tomou conta do ambiente, cantado também por não alvinegros, com marcação de palmas transformadas em ovação após a última estrofe. "Meu pai está adorando tudo isso", decretou Antônia, com os olhos brilhando.
Sim, uma enorme maldade da história da humanidade: Washington Olivetto não pôde curtir a festa de sua despedida triunfal. Merecia ter visto, merecia mesmo.
Ficaria encantado ao saber que havia quem ali organizasse homenagens no jogo do Corinthians na quinta-feira (17), contra o Athletico Paranaense, com bandeirão com a imagem dele aberta no setor leste do estádio e patchs com sua foto na camisa dos jogadores.
No hospital certamente ouviu a mulher, Patrícia, e os filhos Antônia, Homero e Theo cantarem para ir em paz, a paz que mereceu dele uma de suas obras-primas —se você não conhece procure conhecer, está no YouTube o anúncio sobre o produto que quanto mais você usa, mais você tem.
Corajoso Olivetto sempre foi. Medo, dizia, só de andar de carro com alguém dirigindo. "Adoro andar de avião, mas no carro sou daqueles que freia junto, sou copiloto, aviso que o sinal vai fechar, que o cruzamento é perigoso."
Que Antônia não saiba, mas, muito antes de tê-la, ele disse à Playboy: "Eu seria um péssimo pai de menina, porque sou babado com menininhas, sou totalmente idiota, faria qualquer bobagem, acho que não sairia de casa".
Errou redondamente, basta ler o que ela escreveu em sua rede social.
"Um Pai, Professor e Publicitário com P maiúsculo. Que honra ser sua filha e poder ter aprendido tanto com você durante 20 anos, desde a minha paixão pelo Corinthians até pela leitura, que era tão essencial na sua vida. Você foi e vai continuar sendo o pai mais sensacional do mundo. O amor que nós sentimos por você será eterno. Eu tenho certeza de que você vai estar sempre conosco e, a partir de agora, TUDO será para você. Obrigada por me amar tanto, por me mostrar a vida da sua maneira única e por me dar a oportunidade de conhecer a fundo o ser humano fora de série que você é. Eu tenho muito orgulho do guerreiro que você sempre foi e do legado que você deixa para nós e para todos. Hoje o mundo fica mais triste e menos criativo, mas pessoas como você A GENTE NUNCA ESQUECE. Te amo além dessa vida e eu tenho certeza de que você sabe disso. Ass : Sua maravilha do planeta."
Na mesma entrevista à Playboy, Olivetto falou sobre morar em Londres, onde viveu nos últimos anos, entre idas e vindas ao Brasil. Disse que a cidade era "exatamente aquilo que as pessoas pensam que Nova York é". Veja bem, isso em 1988, 30 anos antes de morar lá.
Ultimamente andava irritado com o politicamente correto, depois de cometer alguns deslizes que não passaram impunes pelos críticos, como sói acontecer nestes tempos de vigilância estreita.
Se sempre foi capaz de rir de si mesmo, mais capaz ainda era de aceitar críticas e corrigir eventuais erros, porque, acredite, os gênios também erram —não foram poucos os pênaltis perdidos pelo rei Pelé.
Colunista do jornal O Globo, para exaltar Theo, descreveu-o mais como projeção do que como realidade, prática corriqueira de publicitários, até por generosidade, ao julgar que agradariam o agraciado. Na mesma velocidade em que, reservadamente, tomou um puxão de orelhas do filho incomodado, desculpou-se publicamente.
Pois é.
Com tudo isso, ele, que um dia disse que se morresse em acidente aéreo gostaria de ver escrita na lápide a bem-humorada frase "A última ideia foi a pior", resolveu entrar em um avião de São Paulo para o Rio dois dias depois de tirar um tumor benigno do pulmão. Daí para a pneumonia bastaram 45 minutos de voo.
Vai ver, expressão que gostava de usar, bateu uma saudade louca de seu grande amigo e compadre André Midani, morto em 2019, "o maior produtor musical de todos os tempos", porque nenhum amigo de Olivetto, para ele, era qualquer coisa abaixo do melhor.
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