O governo e o PT fazem o possível quando analisam o fraco desempenho do partido e da esquerda em geral no primeiro turno das eleições municipais. Dizem que a "frente ampla" venceu e que a recuperação da situação desastrosa iniciada em 2016 já começou, mas leva tempo.
A ilusão é o que está ao alcance de um grupo político resistente à autocrítica, mas o buraco é maior e mais embaixo. Localiza-se em boa medida na perda gradativa daquele que já foi o maior ativo dos petistas na voz de Luiz Inácio da Silva: a identificação popular.
Guardadas as proporções gigantescas, foi assim que o PSDB deu os primeiros passos na direção da derrocada. Desde que os tucanos saíram do poder central, há mais de 20 anos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso alertou reiteradas vezes a necessidade de o partido retomar o diálogo estabelecido com a sociedade quando do Plano Real e de bem-sucedidas reformas como a privatização das telecomunicações.
FHC não foi ouvido, e assim o tucanato começou sua obra de demolição, cujo poço ainda sem fundo materializou-se nos menos de 2% de votos obtidos no último domingo (6) em São Paulo, resultado de mais uma das várias escolhas erradas do partido.
São trajetórias diferentes; muito pouco os aproxima. Considerando aí a origem do PT, a existência de consistente base social, a presença de um líder inconteste e o fato de ocupar a Presidência da República pela quinta vez depois de percalços que teriam dizimado qualquer outra força política.
A desconexão popular está presente e muito evidente. Eleito por pouco em função de uma frente de combate a Jair Bolsonaro, Lula governa como petista e mais: das antigas. Defende teses superadas no uso de linguagem em desuso para atender anseios que não são os demandados hoje pela população. Às vezes parece estar nos anos 1980, no estádio de Vila Euclides, tão obsoleto soa o discurso.
Um fator agrava o quadro: no PT não se faz esse tipo de alerta em público. Nenhuma figura relevante ousa constatar o óbvio. Esse debate está interditado por receio de que ele enfraqueça a fortaleza de um líder cuja manutenção de influência dependeria da renovação de conceitos. Assim, negação é a palavra de ordem, como foi no mensalão e nas descobertas da Operação Lava Jato.
A julgar pelas reações de Gleisi Hoffmann e de Alexandre Padilha, a orientação é recorrer ao abrigo da tergiversação. A presidente do partido disse que o PT "saiu do calvário e está em reconstrução", tendo obtido um resultado positivo. Referia-se à conquista de mais 70 prefeituras em relação a 2020, mas não falou na perda do chamado "cinturão vermelho" na Grande São Paulo e de outros obstáculos país afora que podem deixar os petistas de novo sem o comando de nenhuma capital.
Comparando com a performance dos partidos de centro-direita e direita foi uma lavada. Os números, faltando ainda os municípios onde haverá segundo turno, mostram um placar de 742 da esquerda contra 4.729 do campo ideológico adversário.
Padilha, ministro da Articulação Política, saiu-se com uma explicação que não para em pé ante a realidade. Segundo ele, o resultado foi positivo porque os partidos que avançaram fazem parte da base do governo.
Por essa versão, teria sido uma vitória da aliança ampla que elegeu Lula e governa com ele. Não é verdade. Na principal disputa do país o presidente apoia um candidato (Guilherme Boulos, do PSOL) cujo oponente (Ricardo Nunes, do MDB) tem em sua coligação todas as legendas do centrão que formalmente fazem parte da chamada base.
Esses partidos obtiveram vitórias expressivas Brasil afora na vasta maioria concorrendo no campo oposto e falando idioma contrário ao empregado pelo Planalto. Em suma, estiveram em campo oposto. Talvez sejam agora estimulados a seguir caminho próprio no futuro próximo de 2026.
Caberia ao PT e à esquerda parar de dourar e olhar a pílula como ela é, amarga, para então se reciclar.
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