domingo, 20 de outubro de 2024

Álvaro Machado Dias - Por que o marketing perdeu sua potência, FSP

 A morte de Washington Olivetto pede um balanço sobre a propaganda e o marketing na atualidade. Fundamentalmente, discordo que hoje em dia "tudo seja marketing". Uma evidência do contrário pode ser vista nas corporações.

Até cerca de 2010, era muito comum o VP de marketing se tornar CEO. Mas a prática foi declinando e, hoje em dia, operações, finanças e tecnologia são as áreas de onde vêm a maioria dos CEOs. Comunicar e vender perderam status em função da quantificação algorítmica.

O fenômeno é ainda mais forte na pessoa física. Uma evidência é a crescente incompreensão do que é placebo, a qual afeta negativamente os pacientes de diferentes especialidades. Placebo não é ausência de efeito, ou efeito fake, mas efeito 100% real, que acontece através de mecanismos fisiológicos desconhecidos.

Washington Olivetto em sua agência de publicidade, em São Paulo, em 2015 - Adriano Vizoni/Folhapress

Placebo é o "free lunch", daquela expressão infeliz que Milton Friedman replicou: "there’s no free lunch". Não? Então, o que faz o Sol quando nos dá as hortaliças que comemos no almoço? Placebo é marketing, uma aplicação do princípio de que a realidade que interessa é a que emerge da percepção.

Certa vez perguntaram ao Merleau-Ponty o que é o inconsciente. Ele disse que não se trata de instância trancada no almoxarifado da mente, mas de um véu entre o mundo e consciência. Esse véu está se desfiando em função da crescente hegemonia das dimensões mensuráveis, eliminando olhares admirados e outros tipos de almoços grátis.

A percepção estimulada pelo marketing é a de que você é importante. Um exemplo é a poltrona pesada na sala do psicanalista. Ninguém vai lá por isso, mas quando ela está ausente, o paciente desconfia de que não se trata de um bom profissional. É o mesmo princípio que explica por que diamantes se popularizaram.

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Não é que a De Beers criou uma campanha convencendo as pessoas de sua suposta eternidade. A campanha é que só pegou porque não tem nada mais frívolo do ponto de vista de um marido do que um diamante, do que segue que é preciso amar muito a esposa para presenteá-la com um. Isso tornou a compra obrigatória nos tempos da televisão.

A partir do início da segunda década, a comunicação de massa migrou intensamente para os celulares. Os comerciais elaborados do horário nobre da televisão começaram a rarear, e o raciocínio hegemônico passou a ser o da exposição temporalizada de ofertas à fugacidade do consumidor, o que ficou conhecido como economia da atenção e do clique.

O universo do clique é contrário ao da imaginação, onde a geração de valor toma mais do que dois segundos. A lição mais profunda dessa subtração imaginária é que há uma ineficiência no seio da otimização pretendida. Sua lógica é poderosa, mas existencialmente deficitária.

Por mais que a aplicação de princípios algorítmicos traga vantagens indiscutíveis, falha em incorporar o fato de que o ser humano imerso na cultura aspira pelo que transcende as ações calculadas. Não há IA para o charme da pinta de Marilyn Monroe e para a atratividade dos intelectuais que têm alguma esquisitice frente àqueles que usam blazer com tênis e o ChatGPT.

Um dia a tecnologia aprenderá isso tudo e nos fará chorar calculadamente, como todo bom roteirista da Pixar sabe fazer. Mas ainda não é o caso. Olivetto se foi em um momento de baixa para a sua causa.

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