terça-feira, 1 de agosto de 2023

Com nova política da Petrobras, preço da gasolina no país descola do exterior e pressiona estatal por reajuste; entenda, g1

 Pouco mais de dois meses após a mudança na política da Petrobras, os preços dos combustíveis no mercado externo descolaram dos valores praticados pela estatal e passaram a testar a nova estratégia da Petrobras.

Até maio, a Petrobras adotava a política de paridade de importação (PPI), que equipara os valores praticados nas refinarias brasileiras aos de importação. Ou seja, o valor do combustível quando chega aos portos do Brasil. Isso inclui custos com frete e seguros, por exemplo.

A Petrobras adotou a política por 6 anos, mas em maio decidiu adotar uma nova estratégia com preços abaixo do PPI.

No primeiro mês após a mudança na estratégia, os valores praticados pela Petrobras não estiveram tão distantes da importação, mantendo-se cerca de 5% abaixo da paridade.

Mas, nas últimas semanas, o valor da gasolina vendida pela estatal está pelo menos 10% abaixo do preço praticado pelos importadores.

Já de acordo com dados da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), na sexta-feira (28), a gasolina estava 24% abaixo do preço praticado pelos importadores, o equivalente a cerca de R$ 0,77 por litro.

O óleo diesel estava 21% mais baixo do preço praticado no mercado externo, ou R$ 0,78 por litro.

Presidente da Petrobras: "PPI é uma abstração"
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Presidente da Petrobras: "PPI é uma abstração"

Por que os preços 'descolaram' do mercado interno?

A última redução no preço da gasolina foi anunciada pela Petrobras em 30 de junho, quando o combustível passou a custar em média R$ 2,52 por litro nas refinarias da estatal.

Nesse período, o preço do petróleo subiu e o dólar caiu. Embora os dois fatores afetem o preço de importação diretamente, eles não justificariam o grau de diferença entre o preço praticado pela Petrobras e a importação.

Segundo o sócio da Leggio Consultoria, Marcus D’Elia, a diferença no preço da gasolina pode ser motivada pela valorização do combustível nos Estados Unidos –de onde vem a maior parte da gasolina importada pelo Brasil.

Por causa do aumento na demanda local, nos Estados Unidos, o valor da gasolina aumentou e o combustível ficou mais caro para os importadores. Consequentemente, isso elevou a diferença com os valores praticados pela Petrobras.

Para o presidente da Abicom, Sergio Araujo, “o que está acontecendo é que está existindo uma valorização das commodities no mercado internacional e a Petrobras não está acompanhando”.

Diferença de preços é 'teste' para nova política

Segundo D'Elia, a diferença nos preços representa um teste para a nova política da Petrobras. É o momento de observar se a estatal vai aumentar o preço para manter os combustíveis no patamar de cerca de 5% abaixo do PPI, como vinha fazendo.

“Temos que esperar um pouco para ver se esse valor de 10% ainda vai se manter com a Petrobras. Aí sim vamos ver como está a política de preços da Petrobras, se reagir e subir um pouquinho o preço, vai voltar para aquele patamar de 5% que temos acompanhado na Petrobras”, afirmou D’Elia.

A Petrobras segue como a maior fornecedora de combustíveis do Brasil, com custo de produção local. Portanto, a diferença não deve afetar as contas da estatal, mas afeta a atividade de importação.

Como cerca de 12% da gasolina e 25% do diesel consumidos no Brasil são importados, a Petrobras não pode praticar preços muito abaixo do mercado internacional, sob o risco de inviabilizar a importação e prejudicar o abastecimento nacional.

Abastecimento de combustíveis

Araujo afirma que a diferença nos preços está tornando a atividade de importação menos atrativa.

“A nossa expectativa é de que já no mês de julho e agosto o volume importado pelos importadores vá ser bem menor do que os que vinham acontecendo e isso então potencializa o risco de desabastecimento”, declarou.

O presidente da Abicom afirmou que as distribuidoras têm demonstrado preocupação em relação ao abastecimento na segunda metade de agosto.

“Na primeira quinzena, elas consomem o volume fornecido pelas refinarias da Petrobras e, na segunda quinzena, quando elas dependem mais de volume importado, elas já estão demonstrando preocupação com a disponibilidade no mercado. Mas, efetivamente, ainda não temos registro de desabastecimento”, declarou.

Ao g1, a Petrobras negou que haja risco de desabastecimento no mercado nacional.

“Não se observa risco de desabastecimento. A demanda nacional vem sendo atendida tanto pela Petrobras, quanto pelos demais produtores e importadores que atuam no mercado brasileiro”, afirmou a estatal em nota.

A Petrobras disse ainda que aumentou em 7,4% a produção de gasolina em suas refinarias no segundo trimestre, em comparação com o período de janeiro a março.

Paridade internacional X nova política de preços

Em 16 de maio, a Petrobras anunciou o fim da paridade de preços dos combustíveis derivados, como gasolina e diesel, com o mercado internacional.

Pela regra que vigorava antes, desde 2016, o preço desses produtos no mercado interno acompanhava as oscilações internacionais no preço do petróleo e do dólar.

No cálculo anterior, chamado de Preço de Paridade de Importação (PPI), a Petrobras considerava o valor do petróleo no mercado global, o valor do dólar e custos logísticos como o fretamento de navios, as taxas portuárias e o uso dos dutos internos para transporte.

Já na nova política de preços, a estatal passou a considerar o intervalo entre duas referências de mercado:

  • o maior valor que um comprador pode pagar antes de querer procurar outro fornecedor;
  • e o menor valor que a Petrobras pode praticar na venda mantendo o lucro.

Aumento de tributos

O fim da paridade internacional ajudou a Petrobras e o governo, controlador da estatal, a conter o aumento no preço da gasolina aos consumidores por conta do repasse das elevações de tributos.

Em junho, os estados mudaram no formato de cobrança do ICMS sobre a gasolina. O aumento variou de estado para estado, mas o reajuste médio da tributação estadual foi de R$ 0,16 por litro no país.

Já no fim do mês passado, foi a vez de o governo federal elevar a tributação federal sobre gasolina e etanol. A alta foi de R$ 0,34 por litro para a gasolina e de R$ 0,22 por litro de etanol.

Em meados de maio, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, indicou que a Petrobras poderia reduzir os preços dos combustíveis nos meses seguintes justamente para compensar o aumento dos tributos federais previstos para julho.

"Com o aumento [de tributos] previsto para 1º de julho, vai ser absorvido pela queda do preço deixada para esse dia. Nós não baixamos tudo o que podíamos. Justamente esperando o 1º de julho, quando acaba o imposto de exportação e acaba o ciclo de reoneração", declarou, ele na ocasião.

Memória de 2014

Em 2014, ano de eleições, a presidente Dilma Rousseff também segurou os preços dos combustíveis. Naquele momento, não havia tensões externas impulsionando o preço do petróleo.

Em 2017, o Ministério Público Federal do Rio moveu uma ação civil pública por improbidade administrativa contra o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e a ex-presidente da Petrobras Graça Foster.

O MP do Rio argumentou que os dirigentes da empresa mantiveram uma política de retenção de preços dos combustíveis e a defasagem em relação ao mercado internacional, causando prejuízos à Petrobras.

Impacto na inflação e na taxa de juros

O economista André Perfeito observou que os combustíveis têm peso no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial do país.

E que eventuais reajustes poderão influenciar as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) sobre a taxa básica de juros, a Selic, atualmente em 13,75% ao ano - o maior nível em seis anos e meio. A expectativa do mercado é de que a taxa comece a recuar na próxima semana.

"Os preços da gasolina e do diesel estão se afastando perigosamente dos seus valores internacionais e criam risco concreto para a comunicação do BCB que deve iniciar o corte de juros semana que vem, avaliou Perfeito.

Segundo ele, a ausência de sinalização sobre o repasse da variação externa aos preços pela Petrobras pode criar dificuldades para a condução da política de juros no sentido de pegar o BC no "contrapé”.

Ele avaliou que um aumento nos combustíveis pela Petrobras, logo após um corte de juros pelo Banco Central, poderia ter impacto na curva de juros do mercado futuro - que serve de referência para as taxas bancárias.

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