A cidade do Guarujá está sob clima de tensão e violência, que já resultou em dez mortes desde a noite de quinta-feira, 27, quando um policial das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) foi assassinado e a Polícia Militar reagiu com uma operação de caçada aos responsáveis. Mais conhecida pelas praias que atraem paulistanos nos fins de semana, a Baixada Santista tem visto recentemente o avanço do crime organizado.
A região concentra um dos maiores números de comunidades espalhadas pelos morros e manguezais do Estado. São ao menos 40, cinco delas no Guarujá.
Nesta geografia, locais de difícil acesso para o policiamento motorizado ajudam na expansão das facções, que disputam entre si o controle do território. A proximidade com o Porto de Santos, usado para o escoamento de drogas para o exterior, atrai grupos que desejam aumentar seu poder no tráfico. Somente nos três primeiros meses do ano, equipes da Receita Federal interceptaram dez partidas de cocaína - totalizando 2.686 quilos - no porto de Santos.
A investigação policial aponta que o suspeito de ter disparado contra os policiais da Rota, Erickson David da Silva, de 28 anos, cresceu no Primeiro Comando da Capital (PCC) na Baixada Santista. ‘Deivinho’ conheceu a facção há sete anos e teria recebido lições de tiro em uma das células do grupo criminoso instaladas nos morros existentes na região.
O promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), Silvio de Cillo Loubeh, que atuou na investigação e repressão a saques de trens na Baixada Santista, acredita que os traficantes atiraram contra a polícia para proteger o ponto de tráfico. “Infelizmente, é a realidade da Baixada Santista. Nesses lugares a polícia é sempre recebida a tiros.” Segundo ele, o atirador fazia parte da chamada “contenção” – grupos armados que protegem o ponto de venda de drogas.
“Isso acontece em Santos, no Rádio Clube; em Cubatão, na Vila Esperança e na Vila dos Pescadores; em São Vicente, em Fazendinha, Dique do Piçarro, Dique da Caixeta e Sambaiatuba; e no Guarujá, na Vila Zilda. Se a polícia intensificar as operações, vamos ter mais confrontos”, afirma Loubeh.
Investigações conduzidas em 2020 pelo MP-SP mostraram a ação da facção Primeiro Comando da Capital (PCC) na Baixada Santista. Na ocasião, foi identificado que o traficante Frank Cavalcante Nobre, além de exercer a função de “cadastro final” na região do litoral paulista, coordenava o tráfico de rua do PCC no Amazonas. Frank foi preso em agosto daquele ano, em Cubatão, mas outras lideranças ocuparam seu posto rapidamente.
Alguns chefes do PCC são oriundos da Baixada Santista, como é o caso de André Oliveira Macedo, o André do Rap, um dos criminosos mais procurados do Estado. Também está foragido, mas sem abandonar a região, o traficante André Luiz dos Santos, o Keko, uma das pontes do PCC com o tráfico internacional.
David Marques, coordenador de Projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, lembra que o Porto de Santos “é um equipamento que tem grande atratividade pela capacidade de trânsito de mercadorias para o PCC fazer circular suas mercadorias, sobretudo drogas.”
Nos últimos anos, a facção fortaleceu suas conexões com grupos criminosos no exterior, com rotas de envio de cocaína para Europa e África. Como o Estadão revelou, o PCC recebia até armas do Paquistão em troca do pó enviado para a ‘Ndrangheta, a máfia da Calábria, sul da Itália.
Clarissa Borges, mestre em psicologia social do Instituto Elos, organização de direitos humanos que atua há quase 25 anos na Baixada Santista, destaca a vulnerabilidade na região, em meio à disputa de territórios pelo tráfico. Tem uma vulnerabilidade sistêmica, ligada às condições de vida nesse território. As pessoas não têm trabalho nem renda e às vezes buscar uma alternativa que pode ser perigosa. Há territórios em que a insegurança alimentar é muito impactante”, afirma.
Disputa de territórios
Um policial militar lotado no Guarujá, e que falou ao Estadão sob a condição de não ser identificado, contou as dificuldades que os policiais de fora, enviados para reforçar o policiamento na região, estão enfrentando.
“O pessoal aqui é mais fechado, mais desconfiado e solidário entre eles. Tem morro, mangue, muita ‘quebrada’. Quem não conhece fica exposto”, disse ele. Segundo o agente, o PM da Rota morto não teve tempo de conhecer a região. “Nesse aspecto, estava vulnerável”, disse.
Em nota, a SSP informou que as polícias Civil e Militar estão unindo esforços para realizar ações integradas em toda a Baixada Santista, incluindo o Guarujá. Foram realizadas 5.156 prisões e 435 apreensões de armas de fogo apenas neste semestre. Ainda de acordo com a pasta, neste ano cinco policiais da reserva e um em serviço morreram na Baixada Santista.
As prisões efetuadas no Guarujá apresentaram um aumento de 22% em comparação com o mesmo período do ano passado. Em relação aos crimes contra cargas e patrimônio, a PM realiza patrulhamento ostensivo e preventivo, sendo reforçada pela “Operação Impacto - Modal Ferroviário Litoral Sul”.
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