quarta-feira, 2 de agosto de 2023

A lição chinesa para o Brasil, Elio Gaspari - FSP

 

Está nas livrarias "Como a China Escapou da Terapia de Choque", da economista alemã Isabella M. Weber. O livro vai além, mostra por que e como a China deu certo. Ele é produto da qualidade de sua formação intelectual e do vigor da academia chinesa. A professora serviu-se de uma rica bibliografia e, sobretudo de entrevistas, em chinês, com 44 economistas e burocratas.

Quem quiser cortar caminho poderá começar assistindo à entrevista de Weber ao repórter Mario Sergio Conti, no programa Diálogos da GloboNews que irá ao ar nesta sexta-feira. Nele, virá a revelação das conversas de chineses com o então ministro Delfim Netto nos anos 80, durante o ocaso inflacionário do Milagre Brasileiro.

Weber faz um erudito estudo da economia chinesa e chega ao momento das reformas que acordaram o gigante: "A mão invisível [do mercado] foi introduzida sob a orientação da mão visível [do Estado]". Muitos países em muitas épocas tentaram isso e deram com os burros na água. A China conseguiu porque suas decisões foram tomadas por meio de um sutil processo de consultas.

O presidente Xi Jinping em telão na Bolsa de Valores de Pequim - Jade Gao - 17.fev.22/AFP

Na cúpula, a política chinesa é feroz. O presidente Liu Shaoqi morreu em 1969 numa enxovia e a poderosa mulher de Mao Zedong matou-se na cadeia. (Pelo menos 16 milhões de chineses e possivelmente 40 milhões morreram de fome.) Depois da morte de Mao, a sutileza operou no meio de campo.

No renascimento da China, surgiram figuras que durante a Revolução Cultural (1966-1976) haviam sido desterradas ou presas. Sun Yefang, por exemplo, dizia que "a lei do valor não era a marca registrada do capitalismo, mas uma regra econômica universal".

Em 1977, quando o general Sylvio Frota achava que o presidente Ernesto Geisel tinha algo de socialista por ter restabelecido as relações com a China, o sucessor de Mao, Hua Guofeng, mandou missões exploratórias ao mundo para estudar as reformas necessárias para a China. Em 1978, quando começou a Era de Deng Xiaoping ele tinha um slogan simples: "Buscar a verdade pelos fatos".

O livro de Weber é também um mergulho nas ideias dos economistas de todas as correntes. Os chineses ouviam ex-defensores da ortodoxia stalinista e liberais como Milton Friedman. (Em 1973 Friedman esteve no Brasil, mas o presidente eleito Ernesto Geisel não teve agenda livre para recebê-lo.)

Weber mostra que o modelo maoísta foi virado de cabeça para baixo por um gradualismo experimental. As lutas internas persistiram. O primeiro-ministro Zhao Zhiang morreu em 2005, em confortável prisão domiciliar. A despeito disso, os economistas e os burocratas chineses ouviam-se. Numa comparação grosseira, os tucanos chineses ouviram Eduardo Suplicy e os petistas ouviram Pedro Malan.

Duas gerações, que poderiam ter se chocado, convergiram, olhando para a frente. Mao mandou milhões de jovens para reeducarem-se no campo. Alguns deles estiveram no núcleo da virada porque entenderam a pobreza. Um deles foi Zhou Jiaming, o que conversou com Delfim. Ele ralou um exílio até 1989.

Em Pindorama, ao tempo em que Geisel não teve agenda para Friedman, a editora de um banqueiro conseguiu que o professor americano Paul Samuelson concordasse com a supressão de alguns parágrafos de seu livro onde previa que aquele Milagre Brasileiro poderia azedar.

Weber fecha seu livro com a voz do poeta Antonio Machado (1875-1939): "Caminhante, suas pegadas são o caminho e nada mais; caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar".


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