terça-feira, 1 de dezembro de 2020

ANDRÉ VILLAS-BÔAS E CAROLINA PIWOWARCZYK REIS Belo Monte: sonho acabou e pesadelo continua, FSP

 André Villas-Bôas

Conselheiro diretor do ISA (Instituto Socioambiental) e secretário-executivo da Rede Xingu+

Carolina Piwowarczyk Reis

Advogada do ISA

hidrelétrica de Belo Monte, maior obra de infraestrutura da Amazônia quarta maior hidrelétrica do mundo, completa cinco anos de operação. Marcada por um processo de licenciamento ambiental conflituoso, a obra contabiliza uma série de passivos socioambientais e deixa um legado de graves violações aos direitos humanos e ao meio ambiente.

Com a emissão da licença de operação, em 24 de novembro de 2015, expedida sem que parte das condicionantes fosse atendida, a obra se tornou um símbolo de inadimplência socioambiental.

O fracasso econômico e a tragédia humanitária e ambiental deveriam motivar uma autocrítica do setor elétrico, que resolveu implantar uma hidrelétrica no meio da planície amazônica, barrando um dos rios com maior sazonalidade hídrica e biodiversidade da região. Entregaram a bilionária construção desse “elefante branco” para as cinco maiores empreiteiras do Brasil, mesmo sabendo que a geração de energia mal alcançaria 40% da potência instalada.

Belo Monte não gera energia como prometido, mas sua construção gerou muito dinheiro —e corrupção. Por esse motivo, também cabe uma autocrítica a quem orçou o empreendimento inicialmente em R$ 19 bilhões, sendo que o valor real chegou a quase R$ 40 bilhões.

Multas ambientais que somam mais de R$ 60 milhões, 24 ações judiciais movidas pelo Ministério Público Federal, além de centenas de outras da Defensoria Pública da União e do estado do Pará, tentaram impedir o desastre e garantir o cumprimento da legislação, o processo justo de licenciamento ambiental e a reparação dos danos aos atingidos. No entanto, decisões judiciais assentadas na suspensão de segurança —legislação autoritária do tempo da ditadura militar— asseguraram o andamento da obra.

Como previsto, as populações mais vulneráveis pagaram a conta dos impactos mais nefastos. O legado de Belo Monte é a expulsão de centenas de famílias ribeirinhas de suas casas, ainda à espera de reassentamento na beira do rio, no território ribeirinho. É a invasão de Terras Indígenas e Unidades de Conservação, que estão entre as mais desmatadas da Amazônia. É a transformação de Altamira (PA) em uma das cidades mais violentas do país. São os impasses na gestão do sistema de saneamento básico. É a despedida ao rio Xingu como conhecíamos.

À dívida com as mais de 300 famílias ribeirinhas se soma o roubo de água na Volta Grande do Xingu, com a redução de até 80% de sua vazão, desviada para girar as turbinas da usina. A pressão sobre as Terras Indígenas também entra na conta: desmatamento, invasões e grilagem explodiram na área de influência da hidrelétrica. A regularização fundiária e a implementação do plano de proteção territorial se arrastam desde a licença prévia de 2010 e, somente agora, por meio uma ordem judicial, o governo deve promover a retirada de invasores.

No aniversário de cinco anos da operação, não há o que comemorar. A verdadeira reflexão que a sociedade brasileira precisa fazer é: como evitar —de uma vez por todas— que os rios amazônicos continuem sendo barrados para gerar tragédias socioambientais e rios de corrupção?

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