terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Alvaro Costa e Silva Vacina na terra do Arariboia, FSP

 Para quem vive do outro lado da baía, Niterói é uma esfinge. Não há Lamas, e sim o Caneco Gelado do Mário. Não há Mangueira, mas Cubango. Pipa é cafifa. A Barra da Tijuca fica em Camboinhas. Em algumas biroscas ainda se encontra o refrigerante Mineirinho. No futebol, a maior glória é o Canto do Rio, o impopular Cantusca, cujo hino composto por Lamartine Babo avisa: "Aquela morena/ Do Canto do Rio/ Que torce e faz cena/ E causa arrepio/ Queimada da praia/ Na hora do jogo/ Ela desmaia e pega fogo".

A cidade goza a fama de ser um lugar onde a vida é mais barata, dos aluguéis aos pastéis. Há gente que morando em Bangu vai cortar o cabelo no Fonseca, apesar do preço da passagem.

De Copacabana a Madureira, todo mundo sabe o que é um "joelho": massa de pão recheada com presunto e queijo. Lá, o salgado é conhecido como "italiano". O mais curioso se dá no uso da linguagem. Ao contrário dos falantes cariocas, que empregam o artigo diante de antropônimos, indicando intimidade, em Niterói isso não acontece. Dizem: "Esse brinquedo é de Maria", não "da Maria".

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No sincopado "Eu Não Sou Daqui", de Ataulfo Alves e Wilson Baptista, gravado por Aracy de Almeida em 1941, a pequena dispensa o pretendente: "Na terra do Arariboia/ É que eu tenho quem me quer...". Mas, como previu Machado de Assis em crônica de 1896, as duas capitais não poderiam viver separadas: "Tudo pode acontecer. Um dia, quem sabe, lançaremos uma ponte sobre esta cidade e Niterói".

A zombaria registra que o melhor de Niterói é a vista para o Rio. Pois a prefeitura de lá fechou um acordo com o Instituto Butantan para comprar 1,1 milhão de doses da vacina Coronavac. Ao custo de R$ 57 milhões, a imunização deve começar em fevereiro. Diante da esperada fila na ponte e nas barcas, os locais informam: para entrar em Nikity City, o carioca terá de renovar o passaporte.

Homem passa em frente a bilheteria das barcas entre Rio e Niterói - Mauricio Almeida/AM Press & Images/Folhapress
Alvaro Costa e Silva

Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".

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